O gnoticismo

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O Gnosticismo é um movimento esotérico (prática fundamentada em conhecimentos de ordem sobrenatural), iniciado no século I, que despreza o Deus do judaísmo, e que crê em um Deus que não pode ser conhecido, inacessível, eterno, que dá origem aos éons (é cada uma das entidades emanadas de Deus – poder divino –, geralmente em pares ou sizígias, e que existem no Pleroma – a totalidade dos poderes divinos, plenitude –); seus nomes denotam atributos mentais ou espirituais como Pistis (fé), Sophia ou Protenoia (previsão), ou ainda conceitos importantes do gnosticismo como o anthropos (homem) e pneuma (espírito). O éon mais comum na mitologia gnóstica é Sophia. Frequentemente um éon está envolvido na criação da humanidade conferindo espírito aos seres humanos, contra o desejo do demiurgo e seus Arcontes – seres que foram criados com o mundo material pelo demiurgo, uma divindade subordinada –, que criam a alma e o corpo, e ao Pleroma, o mundo divino. Os gnósticos acreditam que há um retorno ao espírito através da gnose, um conhecimento interior (o Cristo interior).

A teologia gnóstica fundamenta-se de que no princípio há uma divindade que é a totalidade, que contém todas as contradições (bem e mau, pleno e vazio, tudo e nada). Em um determinado momento uma parte do Todo, o demiurgo, o deus criador, cria o cárcere que aprisiona as partículas que se espalharam pelo universo: a matéria. Há uma parte divina em cada ente do universo, que se liberta da matéria através da gnose (conhecimento).

Ideias em textos gnósticos:

– dualismo (bem e mau, luz e sombra);

– demiurgo (chamado de Samael), aquele que criou um mundo imperfeito (não um mundo mal, mas uma cópia imperfeita);

– o mundo como sendo uma cópia do mundo divino (o Pleroma) – ideia platônica;

– a ressurreição espiritual (não a ressurreição do corpo);

– a salvação se dá pelo acesso ao conhecimento (gnósis), onde todos podem se tornar Cristos;

– negam que Cristo foi um encanardo (o Logos nunca se fez ou se faz carne); Cristo é Luz. Jesus foi um homem que atingiu a iluminação através da gnósis, foi/é um salvador, e não foi/é o único;

– a gnósis busca deixar o âmbito do demiurgo, onde estão os Arcontes e os Regentes Planetários, para atingir o Pleroma;

– o homem é a mistura de Luz (espírito da verdade que busca o caminho de retorno para o Pleroma) e de Trevas do demiurgo;

– a salvação se dá pelo conhecimento (gnósis);

– não reconhecem autoridades mundanas – cada um é capaz de buscar a libertação pelo conhecimento;

– o corpo (matéria) é o aprisionamento, e a libertação se dá através da Epinoia da Luz, presente em cada um, que conduz ao encontro do Cristo interior (a Centelha Divina, o Poder da Luz);

– o Éden é um paraíso de distrações que causam as paixões e os vícios.

A Trindade no Gnoticismo:

Uno (o oculto) – é inefável, incognoscível, ilimitado (também chamado de Mônada).

Pronoia do todo, um éon andrógino, que é a imagem do Uno oculto, que gera um pensamento que se espalha (é a divindade cognoscível, chamada Barbelô).

Com a institucionalização do cristianismo como religião oficial de Roma em 313 d.C., vários grupos gnósticos foram perseguidos e exterminados. Então, a partir de 367 d.C., livros e evangelhos não aprovadas pela Igreja Romana foram queimados ou destruídos. Os gnósticos afirmam que apenas quatro dos inúmeros evangelhos existentes na época, fizeram parte do texto canônico. Os demais permaneceram como livros apócrifos, ocultos ou secretos, e foram considerados como heréticos pelos intelectuais cristãos da época.

 

Com a descoberta da Biblioteca de Nag Hammadhi, no Egito, em 1945, foram encontrados manuscritos que totalizavam 52 textos, em 13 códices de papiro, escritos em copta. Dentre as obras encontradas, estavam três obras pertencentes ao Corpus Hermeticum – um conjunto de textos escrito entre 100 e 300 d.C. no Egito, escrito na primeira pessoa por Toth ou Hermes Trismegito, contando as coisas que lhe revelou seu contato com o Nous, uma divindade absoluta – e uma tradução parcial da República de Platão. Várias dessas obras são conhecidos como Evangelhos Gnósticos, como os Evangelhos de Tomé, de Maria Madalena, da Verdade, e outros.

A Pistis Sophia é o livro eleito pelos gnósticos. Os estudiosos datam os textos do período entre 250 a 300 d.C., e relatam os ensinamentos gnósticos aos apóstolos (incluindo Maria de Magdala, Maria, mãe de Jesus e Marta), de um Jesus transfigurado.

Alguns textos gnósticos:

Tratado sobre a ressurreição

O mais antigo texto cristão conhecido é um fragmento de tradição oral citado por São Paulo quando escreveu aos cristãos de Corinto, por volta de 54 d.C. É um resumo da fé sobre a morte e ressurreição de Jesus. Muitos cristãos comuns entendiam que assim como Jesus tinha morrido e voltado à vida com a ressurreição, eles também morreriam e voltariam à vida no mesmo corpo. Já os mestres valentianos (Valentim foi um filósofo religioso egípcio) não aceitavam que o elemento animado e o intelecto (espírito) fossem susceptíveis de morte, nem que o corpo material fosse sensível de preservação final. Assim, a alma e o intelecto escapam da existência material e, então, ascendem para outro estado de existência.

O Evangelho Segundo Filipe

A obra contém fragmentos breves tirados de várias outras obras não identificadas. São sermões, tratados ou mensagens, e coleções de aforismos ou diálogos curtos com comentários.

Filipe foi o único apóstolo mencionado pelo nome nos fragmentos; talvez por essa razão que seu nome é anexado ao título da coleção, como se fosse ele o compilador. A data da reunião dos textos deve ser anterior a 350 d.C. Eles propõem que a alma se une a um anjo e se torna um ser andrógino, seguro contra sensações sexuais. Essa separação corrige a separação de Adão e Eva, o andrógino original. Nessa união, a pessoa se empenha no “retorno” para o lar espiritual, ou, a recepção da ressurreição e do Espírito Santo.

A escola de São Tomé

Segundo a tradição antiga, a Tomé se deve creditar ser o “duplo” de Jesus, isto é, o seu irmão gêmeo. Ele é o mesmo apóstolo a quem se atribui a Epístola de Judas, no Novo Testamento. O modelo teológico de conhecer-se a si mesmo era conhecer seu duplo divino e, portanto, conhecer a Deus; seguir o Jesus vivo era conhecer-se e integrar-se a si mesmo.

As obras de São Tomé foram compostas e transmitidas em várias comunidades cristãs da região mesopotâmica. Edessa (hoje cidade turca, Urfa, a leste de Gaziantep) era um dos principais centros de difusão da literatura cristã composta na região, e foram escritas em grego e em aramaico (siríaco). Possivelmente, após o século III, quando ela foi assumida pela religião maniqueísta (essa doutrina consistia em afirmar a existência de um conflito cósmico entre o reino da luz – o Bem – e o das sombras – o Mal -, em localizar a matéria e a carne no reino das sombras, e em afirmar que ao homem se impunha o dever de ajudar à vitória do Bem por meio de práticas ascéticas), ficou comprometida.

O Hino da Pérola

Ou o hino de Judas Tomé, apóstolo no país dos indianos, apresenta um mito da entrada da alma humana na encarnação corporal e seu despojamento final do corpo. A história mítica da salvação é contada pela alma; é uma descrição da salvação (o modelo da busca de autoconhecimento e salvação). A história: “O rei do Oriente envia o príncipe pela estrada da satrapia, de Mesene ao Egito, a fim de obter uma pérola preciosa. O príncipe é intoxicado e embebedado pelos egípcios. Mas é despertado por uma mensagem do rei. Ele pega a pérola e retorna ao Oriente, onde veste um manto de gnósis e sobe ao palácio do rei, entrando no reino da paz”. O sentido alegórico (o mito): “O princípio primeiro do reino espiritual providencialmente faz com que a alma individual desça, passando pelos corpos celestes, na vida encarnada em um corpo material, a fim de ser educada (obter a salvação). A alma se torna inconsciente e inerte por causa da matéria. Mas se desengaja em resposta ao salvador ou à mensagem da filosofia (sabedoria). Ela adquire conhecimento de si mesma e do curso de sua vida e se reúne metafisicamente a si mesma e ao princípio primeiro, adquirindo verdadeiro repouso”.

O Hino da Pérola se encontra incorporado numa obra mais extensa, chamada os Atos de Tomé; em um episódio dos Atos esse hino é cantado por São Tomé durante o tempo em que definhava numa prisão indiana.

O Evangelho Segundo São Tomé

O Evangelho de Tomé é uma coleção de cento e catorze ditos obscuros de Jesus, transmitidos por Santo Dídimo Judas Tomé. A salvação que ele proclama não é o futuro reino de Deus, introduzido por um messias, mas o reconhecimento de nossa verdadeira natureza e conhecimento de si mesmo, que leva a imediato repouso e torna trivial a morte. “O reino está dentro de vós … Quando tiverdes conhecimento de vós mesmos … compreendereis que vós é que sois filhos do Pai vivente.” Há três papiros, manuscritos do original grego, pouco antes de 350 d.C., e está atualmente no Museu Copta do Cairo (Egito). Foram compostos no século I, ao norte da Mesopotâmia.

O Livro de Tomé

No livro de Tomé Jesus aparece como um mestre sábio e de reconhecida autoridade. Jesus não é mencionado pelo nome, apenas “o salvador”. Explicita a condição de gêmeos divinos entre o salvador e Judas Tomé. A primeira metade da obra diz respeito ao autoconhecimento (gnósis) e a total insignificância da carne. A segunda metade é ascética e adverte, descrevendo o castigo que aguarda a pessoa tola, influenciada pela carne. A primeira metade enfatiza a natureza do salvo, ao passo que a segunda metade descreve os condenados.

Os escritos de Basílides

Basílides foi filósofo cristão que atuou em Alexandria em cerca de 132-135 d.C., fundador de um movimento cristão que permaneceu no Egito até o século IV. Ele formulou uma doutrina da salvação cristã, que dependeu das ideias platônicas e pitagóricas, e parece ter adaptado a escritura, a terminologia e os problemas cristãos às categorias da ética estoica, que foi fundado em 300 a.C. por Zenão de Cício. Os estoicos tinham uma visão determinista do destino ou da providência, isto é, da ação da razão divina controlando todos os acontecimentos do universo (a ação da razão, sustentavam eles, é “a vontade de Deus”).

O Mito de Basílides, segundo Santo Irineu de Lião na obra “Contra as heresias”

Trata de uma descrição do princípio primeiro; a expansão do princípio primeiro em um complexo universo espiritual; a criação de um universo material consistindo em 365 céus no centro do qual está o nosso mundo; a criação das nações do gênero humano. Diz que a história verdadeira da crucificação é contada, segundo a qual Simão Cirineu foi crucificado em lugar de Jesus, que, por sua vez, ascendeu diretamente à seu progenitor. Basílides difama o deus de Israel, já que ele foi criado para o proveito daquele povo. O poeta concorda com a escola de São Tomé, de uma cristologia que dispensa a crucificação e a ressurreição de Jesus. Os personagens míticos são: os seres mais altos – o Progenitor não-gerado, o Intelecto, A expressão verbal, a Prudência, a Sabedoria e o Poder –; os governantes – as autoridades, os governantes e os anjos –; e os seres humanos – pessoas na Terra, Jesus, uma manifestação terrena do intelecto, e Simão Cirineu.

Santo Irineu escreveu em grego “O Mito de Basílides”, que começa com os ensinamentos: o Primeiro foi gerado pelo Progenitor não-gerado, o Intelecto; dele foi gerada a Expressão verbal, Prudência. Da Prudência, a Sabedoria e o Poder. Os Governantes, junto com a Sabedoria, geraram as Autoridades, os Governantes e os Anjos, que fizeram os primeiros céus. Os Anjos fizeram todas as coisas que estão dentro do mundo. O Progenitor não-gerado viu a ruína da criação e enviou o seu primogênito, o Intelecto, chamado Cristo, e apareceu na Terra como homem. Simão Cirineu carregou a cruz e foi crucificado no lugar de Jesus. Não se deve reconhecer o homem que foi crucificado, mas sim aquele que veio na forma de homem, chamado Jesus. Por isso, as pessoas que sabem dessas coisas foram libertadas dos governantes que fizeram o mundo.

Os fragmentos de Basílides

Fragmento A – O octeto de entidades subsistentes (hipóstases):

É o resumo que Santo Irineu faz da teologia de Basílides. Por ele fica-se sabendo que Basílides concebia um octeto primordial dentro da divindade.

Fragmento B – A singularidade do mundo:

O modelo do universo de Basílides tinha 365 céus, mas havia somente um mundo, sugerindo que os céus estivessem arrumados concentricamente em torno da terra.

Fragmento C – A eleição acarreta naturalmente fé e virtude:

A virtude da alma e sua salvação é sua “natureza”, segundo a ética estoica. Esse destino é ditado pela Providência (Deus) e torna a pessoa virtuosa “eleita”. A virtude não resulta do exercício de uma vontade totalmente livre, pois a alma não possui tal coisa. A alma racional consente com o destino que lhe foi decretado.

Fragmento D – A condição da virtude:

A “vontade de Deus” é destino, a qual, segundo a ética estoica, controla todos os acontecimentos. A pessoa virtuosa consente com tudo que existe e acontece. Não é motivada pelo desejo, mas somente por harmonia com a razão ou a natureza, e pelo consentimento com a vontade de Deus.

Fragmento E – Os eleitos transcendem o mundo:

A doutrina platônica e pitagórica da reencarnação das almas acredita que cada alma retém sua identidade de uma encarnação para a seguinte, para pagar na vida subsequente, pelos pecados de sua vida anterior.

Fragmento F – Reencarnação:

A obra é do filósofo cristão Orígenes de Alexandria, de por volta de 244 d.C., do seu “Comentários sobre a Epístola aos Romanos”.

Fragmento G – Sofrimento humano e a bondade da Providência:

Esta passagem provavelmente venha de um comentário explicativo sobre a parte de 1 Pedro 4, 12-19. Há duas explicações propostas: primeiro, alguém que não tenha cometido pecado nesta vida pode, no entanto, ter pecado na anterior – não atos pecaminosos, mas desejos pecaminosos ou a capacidade para pecar. O sofrimento da alma de Jesus, que só encarnou uma vez, foi uma retribuição não por atos pecaminosos, mas pela plena humanidade de Jesus. Assume-se que Jesus nunca foi crucificado, o sofrimento em questão não se refere à sua paixão.

Fragmento H – Pecados perdoáveis:

“Nem todos os pecados são perdoados, mas somente aqueles cometidos involuntariamente e por ignorância”, diz Basilídes. São Clemente (século II), autor da fonte do fragmento, discutiu o perdão de Deus para os pecados humanos.

O Corpus Hermético, introdução histórica

No Egito, o patrono da literatura e do saber era Toth, o deus da lua e escriba dos deuses. Na Grécia Toth era identificado com Hermes, e os gregos que viviam no Egito o chamavam de Hermes “três vezes grande” (trismegistos). Em torno de Hermes desenvolveu-se um conteúdo substancial de literatura, algumas delas atribuídas aos seus seguidores. Esses conteúdos interessavam-se por astrologia, pelos poderes das pedras preciosas e pelas plantas. Os textos não se basearam em observação e razão, mas em revelação, e enfatizam a importância do conhecimento pessoal (gnósis) de Deus.

Tratado 1 – Poimandrés (Poim)

Poim é atribuído a Hermes Trismegisto, deidade greco-egípcia, que fala da criação do mundo e das origens do gênero humano. O autor, desconhecido, adota a cosmogonia do “Timeu” de Platão, e do Gênesis. A língua de composição do texto é o grego, e é apresentado como uma autobiografia espiritual de um vidente religioso – uma revelação angélica –, que se inicia com uma cosmogonia e uma uranografia (descrição da estrutura do universo), explicando a criação e a composição dos céus. Os personagens míticos são: 1-do Reino do Poder Absoluto, Deus, o Progenitor da totalidade; O Intelecto divino ou Poimandrés; O pensamento anterior, o desígnio de Deus; os inúmeros poderes; a Razão Santa (a Palavra); O Segundo Intelecto; os sete controladores; e o Ser Humano arquetípico – 2-do Gênero Humano, Sete seres humanos originais; e a Posteridade – e 3-os Seres Espirituais Inferiores, os Demônios, guardiães dos seres humanos individuais; e um demônio vingador.

Tratado 7 – Que o maior mal do mundo é o desconhecimento de Deus

Que o maior mal humano é o desconhecimento de Deus, o Corpus Hermeticum VII é um breve sermão filosófico sobre o corpo humano como empecilho para o conhecimento de Deus. A obra trata que se a falta de conhecimento é “o maior mal humano”, então sua causa, o corpo, poderia ser considerado o pior do mundo. O texto é de autoria desconhecida, e a data é de aproximadamente 313 d.C.