A religião iraniana

Banner Background

A religião iraniana contribuiu para a formação religiosa do Ocidente. A concepção de tempo linear substituiu a noção do tempo cíclico. Algumas das contribuições mais significativas foram: a articulação de vários sistemas dualistas; o mito do salvador; a elaboração de uma doutrina das coisas que devem acontecer no fim do mundo “otimista”, que proclama o triunfo definitivo do bem e a salvação universal; a doutrina da ressurreição dos corpos.

Zaratrustra é tido como uma personagem histórica, um reformador da religião étnica tradicional, aquela compartilhada pelos indo-iranianos no século II a.C.; a religião de Zaratrustra representa unicamente um aspecto da religião iraniana, isto é, o madeísmo, que tem no centro a adoração de Aúra-Masda.

Segundo a tradição madeísta, que fala de “258 anos antes de Alexandre”, pode-se fixar a vida de Zaratrustra entre 628 e 551 a.C.

Zaratrustra foi um sacerdote sacrificador e chantre (membro da Igreja que exercia as funções de cantor). Pertencia ao clã spitama, de criadores de cavalos. Era casado e tinha uma filha, Pourucista, e um filho. Sendo muito pobre, num gatha ele implora a ajuda e a proteção de Aúra-Masda: “Eu sei, ó sábio, porque não tenho poder: é porque poucos são os meus rebanhos e poucos os homens de que disponho.” (Yasna 46, 2) – texto litúrgico recitado durante a realização diária do ritual.

O líder religioso recebe a revelação diretamente de Aúra-Masda. Ao aceitar a nova religião, ele imita o ato primordial da divindade, a escolha do Bem. O homem é intimado a seguir o exemplo de Aúra-Masda, mas goza de liberdade de escolha.

A religião persa antiga caracterizou-se pela dualidade entre o bem versus o mal, forças representadas pelos deuses Aúra-Masda, como o deus do bem e da luz, sendo seu ritual o Ritual do Fogo, em que os sacerdotes entoavam hinos e mantinham acesas as chamas como permanência da força de Aúra-Masda, e Arimã, a divindade do mal e das trevas que devia ser combatida. O madeísmo pregava ainda a existência da vida após a morte.

Três quartos do Avesta – ou Zendavestá, que faz parte das escrituras sagradas do zoroastrismo, estão perdidos; é uma coleção de livros sagrados que foi escrita durante um longo período e em diferentes idiomas. Entre os textos conservados, apenas os gathas (são 17 hinos zoroastristas e que compõem parte do Avesta), foram provavelmente redigidas por Zaratrustra. O restante do Avesta atual, e sobretudo os livros pálavis (conjunto das línguas iranianas faladas, derivadas do persa antigo e registradas em escrita maniqueia, por maniqueus persas) redigidos entre o século III e o IX, caracterizam-se por sua desoladora monotonia e vulgaridade. No entanto, as ideias que se consegue decifrar nos gathas, nos escritos ulteriores, estão fora de ordem, numa mistura confusa de textos e comentários rituais.

Zaratrustra deseja saber “quem determinou o curso do Sol, e das estrelas”, “quem fixou a Terra embaixo, e o Céu das nuvens, de sorte que não caia?”. Suas perguntas relativas à Criação sucedem-se num ritmo cada vez mais intenso. Quer saber de que maneira sua alma, “tendo alcançado o Bem, será arrebatada?” e “como nos desembaraçaremos do mal?”.

O castigo dos maus e a recompensa dos virtuosos são, para Zaratrustra, obsessões. Mostra-se impaciente diante da impunidade dos membros das sociedades dos homens.

Aúra-Masda ocupa lugar de destaque: ele é bom e santo. Criou o mundo por meio do pensamento (Yasna 31, 8). Ele é o pai de várias entidades – Asha, Vohu Manah, Armaiti) e um dos dois espíritos gêmeos, Spenta Mainyu (o espírito que pratica o bem), e igualmente o outro gêmeo, Angra Mainyu (o espírito destruidor).

O bem e o mal, o santo e o demônio destruidor procedem de Aúra-Masda, mas Angra Mainyu escolheu o seu modo de ser e a sua vocação maléfica. Aúra-Masda, em sua onisciência, sabia da escolha de Angra Mainyu, mas não a impediu. Isso pode significar que a divindade maior transcende toda a espécie de contradição ou que a existência do mal constitui a condição prévia da liberdade humana.

Uma vez que os daevas, os deuses da religião tradicional iraniana, escolheram o logro, o engano, Zaratrustra solicita a seus fiéis que já não lhe dediquem o culto, inicialmente que já não sacrifiquem, em honra deles, os bovídeos. O respeito ao boi desempenha um papel considerável na religião madeísta.

Zaratrustra suplica a Aúra-Masda: “Senhor, ensina-me o que sabes: será que antes mesmo do advento dos castigos que concebeste, ó sábio, o justo derrotará o mau?” (Yasna 48, 2).

O ponto de partida da predicação de Zaratrustra é a revelação da onipotência, da santidade e da bondade de Aúra-Masda. O profeta recebe-a diretamente do Senhor, mas essa revelação não cria nenhum monoteísmo. Ao escolher Aúra-Masda, o madeísta escolhe o bem contra o mal, a verdadeira religião contra aquela dos daevas, o que não tardará a solidificar-se em dualismo.

Por intermédio do rito, o fiel recebe o estado de maga, que é alcançado sobretudo pelo sacrifício do haoma, “bebida da imortalidade” que o sacerdote absorve no decorrer da cerimônia. O haoma é sagrado. O sacrificador transcende sua condição humana, aproxima-se de Aúra-Masda e antecipa a renovação universal.

No Irã os antigos deuses (os daevas) foram demonizados. Aúra-Masda não foi obra de Zaratrustra, já que era venerado antes de Zaratrustra (o nome é encontrado nas inscrições dos reis aquemênidas).

Os aquemenênidas representavam a classe sacerdotal por excelência. Praticavam a interpretação dos sonhos, faziam profecias sacrificando cavalos de cor branca e, durante os sacrifícios, eram guardiães de uma tradição de poesia religiosa.

O Yasna de sete capítulos, escrito em prosa e constituindo os gathas 35-42, reflete o início de um processo complexo de adaptação e integração. Há inovações no vocabulário, o fogo é identificado com o espírito santo, Spenta Minyu.

Quanto à morte, a alma atravessa três esferas celestes e atinge as “luzes sem começo”, ou seja, o paraíso. O morto não recorda o caminho horrendo, que consiste numa separação do corpo e da consciência. Asúra-Masda ordena que se lhe ofereça “manteiga da primavera”, que é, para o justo, “o alimento depois da morte”. A alma do mau, ao contrário, encontra no vento do norte uma pavorosa megera e penetra na região das trevas, onde Angra Mainyu exige que lhe deem veneno.

Um outro mito escatológico foi incorporado pela teologia zoroastriana à mitologia de Yima: Aúra-Masda adverte a Yima que um inverno de três anos acabará com toda a vida sobre a Terra e pede-lhe que construa um recinto (vara), dentro do qual ele colocará, a fim de salvá-los, os melhores dentre os homens e todas as espécies de animais (outra inspiração para o dilúvio bíblico?). O vara foi imaginado como uma morada subterrânea. O mundo renovado de um modo radical e completo representa uma nova Criação, que já não se tornará impura pela ação dos demônios. A ressurreição dos mortos (a recriação dos corpos) faz um paralelo microcosmo-macrocosmo, concepção comum a diversos povos indo-europeus.