Ainda sobre a morte

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Desde que se nasce, escala-se a montanha da vida, não se consegue ver a morte, pois ela está na encosta do outro lado. Depois que se ultrapassa o cume, então se avista realmente a morte, que até esse momento era desconhecida, ou conhecida apenas de ouvir falar. A morte, enquanto se vive, encontra-se em segundo plano, mas aparecerá a qualquer momento, às vezes surpreendendo. Quando o homem vê a morte de perto, o medo se instala. Ele tenta negociar: “Se eu sair desta, saberei de uma vez por todas de onde é e para que é que eu tenho de viver”. Porém, mesmo exposto à solidão que ela traz, acaba suportando a tristeza que o acomete. Ele não encara abertamente seu fim de vida na Terra; só ocasionalmente e com certo temor é que lançará um olhar sobre a possibilidade de sua própria morte. Ela é a grande advertência que o curso da natureza inflige à vontade de viver e, mais especificamente, ao egoísmo que lhe é essencial. É a forma mais dolorosa de desatar o nó dado com volúpia pela procriação; invadindo de fora, destrói com violência o erro fundamental do ser: é a grande decepção. A morte é a ocasião para se deixar de ser eu; é o momento dessa libertação da estreiteza de uma individualidade que deve ser considerada não o cerne mais íntimo do ser. Nega-se que o ego vá morrer, sente-se raiva, tenta-se barganhar com um deus onipotente, às vezes qualquer um. Porém, enquanto se estiver convencido da realidade do ego, o sofrimento volta.

Apenas o homem carrega consigo a certeza de sua morte em conceitos abstratos; não obstante, essa certeza só consegue afligi-lo em momentos isolados, quando alguma ocasião a evoca na imaginação. O destino do homem é justificar-se desesperadamente como um objeto de valor primordial no Universo. A morte tão temível não é tanto o fim da vida, e sim a destruição do organismo, uma vez que ele é a própria vontade que se apresenta como corpo. Ela em si não é um problema, mas o medo de morrer nasce do sentimento de desesperança, de desamparo e isolamento que a acompanha.

Há uma suposição a ser considerada: se o nascimento tenha chegado a um começo a partir do nada, a morte chega sem que se saiba de onde vem; se, além disso, ambos tiverem a mesma forma, a mesma essência, mas diferirem apenas quanto à matéria, que continuarão a descartar e a renovar também no curso de sua existência. Então, surge a hipótese segundo a qual aquilo que desaparece e aquilo que aparece em seu lugar são o mesmo ser, que apenas sofreu uma alteração, uma renovação da forma de sua existência.

Durante toda a existência, a natureza expõe, com descuido, os humanos a muitos perigos ameaçadores. A razão só pode ser a de que ela sabe que, se eles caírem, voltarão a seu seio, onde serão amparados. No entanto, há a esperança da imortalidade da alma, que é sempre atrelada àquela de um “mundo melhor”, um sinal de que o atual não é muito adequado. O que significa ser um animal consciente de si mesmo? Significa saber que o corpo é alimento para os vermes. Esse é o horror: ter surgido do nada, ter um nome, consciência de si mesmo, profundos sentimentos íntimos, uma ânsia pela vida e pela autoexpressão e, apesar de tudo isso, morrer.