Deus

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Quando Moisés perguntou o que deveria dizer quando lhe questionassem sobre quem o enviara ao Egito para libertar os hebreus da escravidão, Deus lhe deu esta resposta: “Eu sou aquele que é.” Disse mais: “Assim dirás aos filhos de Israel: Eu Sou me enviou até vós” (Êxodo 3, 14). Em outra passagem do livro final da Bíblia cristã: “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim” (Apocalipse 21, 6). Os textos enfatizam que Deus transcende as noções comuns de tempo e espaço, qualquer compreensão. Na medida em que Deus representa a realidade suprema e na medida em que a mente humana percebe a realidade em contradições, não se pode fazer nenhuma afirmação de Deus (o homem não pode saber o que Deus é). Não é possível ter como objetivo achar a resposta no pensamento. O pensamento só pode levar ao conhecimento que não dá a resposta final. O mundo do pensamento permanece preso no argumento que contraria os princípios básicos e gerais. A única maneira de apreender o mundo essencialmente não está no pensamento, mas no ato, na experiência da unidade. Assim, a lógica paradoxal conduz à conclusão de que o amor a Deus não é nem conhecimento de Deus em pensamento, nem o pensamento de nosso amor a Deus, mas o ato de experimentar a unidade com Deus.

A ideia de Deus não é uma ideia vaga, incerta, mas com um conteúdo que a distingue de qualquer outra ideia que se impõe à mente humana.

Battista Mondin (sacerdote italiano, 1926-2015) afirma que “nós criamos uma divindade a nossa própria imagem, embora não seja corporal, quando falamos de um pensar, querer e julgar divinos. Com o mito, o homem procurou exprimir fantasiosamente o mundo divino”.

Eckhart Tolle (escritor alemão, 1948) escreveu: “Se eu me transformei em Deus e Ele me faz ser uno com Ele mesmo, então não há distinção entre nós.”

Toda a especulação sobre Deus é impossível, porque transcende o poder da concepção humana e, além disso, toda a expressão ou comparação da mente humana não poderia senão diminuí-lo. Deus está além do alcance do pensamento: é inconcebível e inefável.

Que tipo de conhecimento se tem de Deus? O da experimentação, eu arriscaria.

Afeito à ideia de revelação, Karl Barth (teólogo suíço, 1886-1968) descobriu, nas Sagradas Escrituras, a grande ruptura: a separação entre Deus e o homem, entre o Reino de Deus e o mundo. O Deus do Evangelho – o desconhecido, o Totalmente Outro e absolutamente transcendente – revela-se e diz não a todos os empreendimentos da cultura e do espírito, mediante os quais o ser humano se esforça para afirmar sua autonomia e seu poder. Dentre todos os empreendimentos humanos, a religião seria o mais pernicioso.

Em muitas vezes eu questionei a existência de Deus. A experiência me fez, definitivamente crer. Não no Deus das Igrejas, no Deus irascível, no Deus dogmático. Algumas pessoas imaginam que vão ver Deus. Deus e eu somos um só. Aproximando-me de Deus, Ele vem a mim. Amando a Deus eu o penetro. Se o seu deus pode ser descrito, definido, esclarecido e codificado, então ele é um deus substituto, não o verdadeiro Deus; o Deus que não se compreende. Tomás de Aquino afirmou: “Nós podemos provavelmente saber que Deus é, porém o que Deus é nós não podemos saber.” Deus não pode ser comprimido ao interior de uma faculdade, porque busca-se Deus acima, nas estrelas, em todos os possíveis ismos, e em todo o mundo exterior, onde Ele certamente também está assim como no mais profundo interior.

Ao indizível, sabe-se muito bem que nenhuma palavra pode apreender Deus, mas não se pode evitar de falar sobre Deus, senão não se seria um ser humano. As imagens de Deus são, no fundo, secundárias, tão logo surge a consciência de que elas são apenas imagens do que não se traduz em imagens, um auxílio de linguagem, uma muleta para o intelecto e para a desajeitada linguagem humana. Muitos não acreditam em um Deus transcendente; o materialismo ou a tendência para valorizar apenas aquilo que é de ordem material, inclusive a natureza, num certo sentido, é divina. Isso é, afirma-se que Deus é a Natureza. Essa racionalidade vem das leis e da ordem que organizam a matéria bruta sem se separar dela, de modo que o destino, que determina tudo, não seria uma força sobrenatural, mas a própria conexão natural de todas as coisas, as quais estabelecem entre si relações de causa e efeito. Por conseguinte, tudo seria necessário, isto é, nada poderia ser diferente do que é; e, no sentido de ser casualmente determinado, tudo possui uma razão.

A maioria das pessoas pensam em Deus como o princípio criativo por trás do mundo, e é essa a ideia sustentada pela ciência dentro da consciência. Todavia, há algumas sutilezas. Por exemplo, a consciência é um sinônimo de Deus? Não, a consciência é a base da existência. Deve-se pensar em Deus como princípio criativo, aquele que escolhe a experiência concreta dentro das possibilidades em todos os atos criativos da manifestação. Em todo ato criativo de que se participa, encontra-se o Deus interior.

Como indivíduos, não se pode avaliar o movimento da consciência permeando por toda a criação através de todos os seres sencientes (que percebem pelos sentidos). Nesse sentido, não se é Deus. E agora, tudo se reduz a um paradoxo: o ser humano é, e ao mesmo tempo não é Deus. Outra questão que deve ser abordada são as imagens que muitos fazem do céu ou do paraíso. Mesmo lá, os seres humanos esperam que seus egos se mantenham intactos, o eu permaneça. Para Baruch Espinosa (filósofo e racionalista holandês), as coisas não são criadas por Deus como algo externo a ele (como no pensamento cristão), mas são consequências necessárias da potência divina; são ações de Deus, que, por isso, não se separam de Deus.

É inegável que as pessoas se afastaram do Deus pessoa, adotando uma concepção maior, infinita: Deus, em alguns sentidos, permeando o mundo, mas também, em outros, sendo uma adição ao próprio mundo. Deus não é o Universo por si só, mas Deus emana de todo o Universo. E o Universo inclui todas as coisas e todas as partículas e todos os seres. A visão de mundo da religião se infiltrou e todos são afetados por ela. Minha sugestão: agir como se tudo dependesse do homem, e orar como se tudo dependesse de Deus.

 

Uma visão poética

Conversação

Ellen Wheeler Wilcox (1850-1919).

Deus e eu a sós no espaço

ninguém mais à vista

“E onde estão todas as pessoas,

meu Senhor”, disse eu,

“à Terra sob nós

e o Céu acima

e os mortos de minha lista?”

“Foi um sonho”, Deus sorriu

e disse: “O sonho que parecia

ser real; não havia pessoas

vivas ou mortas; não havia Terra,

e nem o Céu acima,

havia apenas Eu em você”.

“Por que não sinto medo?”, perguntei,

“encontrando-o aqui neste momento?

pois pequei, sei disso muito bem

e existe céu, e inferno também,

e será este o Dia do Julgamento?”

“Não, era apenas sonhos”,

disse o Grande Deus, “sonhos que não existem mais.

Não existe isso de medo e pecado;

não existe você … nunca houve você no passado.

Nada existe, senão Eu”.

 

Deus, segundo o livro apócrifo, “Secreto Segundo São João”

 

O ensinamento do Salvador

O pai da totalidade

 

“Ele me disse: A unidade (Mônada), visto ser um princípio unitário de governo, não tem nada que a presida. (…) deus e pai da totalidade (…) preside a (…) incorruptibilidade, existindo na luz incontaminada, a qual nenhuma vista pode contemplar. Este (é) o espírito invisível. Não convém imaginá-lo como divino ou algo desse tipo, pois ele é superior à deidade; nada o preside, pois nada tem domínio sobre ele; (ele) não (existe) em nenhum estado de inferioridade, (…) existe em si apenas. (…) porque nada lhe falta.

Antes ele é absolutamente perfeito em (…). Ele é ilimitado porque nada existe de anterior a ele para aplicar-lhe limite, insondável, porque nada existe de anterior a ele para o sondar; incomensurável porque não foi medido por coisa alguma; invisível, porque nada mais o viu; eterno, visto que ele existe até a eternidade; inefável, visto que nada tem sido capaz de chegar até ele para falar dele; inominável, visto que não há nada que exista antes dele para lhe dar um nome. Ele é luz incomensurável, a qual é imaculada, santa e pura; ele é inefável e perfeito em incorruptibilidade: não em perfeição, nem em bem-aventurança nem em divindade; sendo, antes, muito superior a estes.

Ele não é corpóreo, ele não é incorpóreo, não é grande, não é pequeno, não é quantificável, nem é ele uma criatura. De fato, ninguém pode imaginá-lo. Ele não é alguma coisa entre as existentes; antes, ele é uma coisa muito superior a estas: (contudo) não é como se ele fosse superior, antes, sua característica própria é de não participar dos reinos eternos (éons), ou dos espaços de tempo. Pois o que quer que participe de um reino eterno foi preparado de antemão. E ele (não é) dividido pelo tempo (…) qualquer outro, pois não recebe coisa alguma. Pois (…) ele, de modo que recebesse de (…). Porquanto ele se contempla a si mesmo (só) dentro de sua luz perfeita. Pois ele é majestade; ele é incomensurável (…).

(Ele é) eternidade, (como) conferindo eternidade. Ele é vida, como conferindo vida. Ele é bem-aventurado como conferindo bem-aventurança. Ele é conhecimento, como conferindo conhecimento. (Ele é) bom como conferindo bondade. (Ele é) misericórdia, (como conferindo) misericórdia e redenção. Ele é graça, como conferindo graça. (Ele é todas essas coisas) (não) como se possuísse atributos; antes como (os) conferindo. (Ele é) luz incomensurável, incorruptível (na medida em que posso falar) com você sobre ele. (…)

Na realidade, nós não (temos) conhecimento de (…); nós não sabemos (…) exceto (pelo) que se manifestou saído dele (…)

 

Alguns pensadores sobre Deus e a sua existência

Poderia nominar centenas de grandes pensadores que falaram e escreveram sobre Deus (deuses). Mas pergunto-me: a ideia de Deus poderá mesmo ser simplesmente fruto da criatividade e genialidade humana, consequência das necessidades, desejos e ideais do homem, ou, ao contrário, possui uma interna e inventável verdade que impede absolutamente que Deus possa ser mera ideia subjetiva da consciência humana, que pode viver em certas épocas históricas e desaparecer em outras. Escolhi, então, alguns poucos pensadores:

Os pré-socráticos, sobretudo Xenofonte (discípulo de Sócrates, 431-354 a.C.) e Anaxágoras (fundador da primeira escola filosófica de Atenas), ocuparam-se do problema da existência e da natureza de uma suprema divindade. Mas aquele que primeiro formalizou as provas da existência de Deus foi Platão. A ele se deve a primeira formulação rigorosa, no livro Leis, das argumentações que depois se tornarão as clássicas “vias” da existência de Deus (dos deuses). Platão partiu dos fenômenos: do fenômeno da casualidade, que exige uma primeira causa incausada, que seja a fonte de todas as outras causas; do fenômeno da ordem, que exige uma mente organizadora suprema; do fenômeno dos graus da perfeição, que exige um ser perfeitíssimo.

Para Aristóteles, que se seguiu a Platão, todos os problemas do conhecimento deveriam ser resolvidos na realidade em que o homem se encontrava, onde eles aconteciam. É a observação concreta dos fatos e das coisas singulares e a sua organização através de uma estrutura lógica, que é própria do entendimento.

O cristão Agostinho de Hipona (354-430) considerava três hipóteses como possíveis: Deus criou, expressamente para si mesmo, a alma de cada indivíduo; ou ainda, todas as almas, após terem preexistido em Deus, são enviadas por Ele aos corpos que elas devem vivificar; ou enfim, tendo preexistido em Deus, elas desceram voluntariamente aos corpos para animá-los.

Tomás de Aquino (1225-1274) tornou conhecidas as cinco vias, baseadas respectivamente no fluir, na casualidade segunda, na contingência, nos graus de perfeição e no finalismo. No entanto, a contribuição maior do frade católico ao primeiro problema da existência de Deus está na organizada filosofia do ser: a via da participação, por exemplo, torna-se “a via de participação na perfeição do ser”, a máxima – “tudo o que é alguma coisa por participação remete a outro que seja a mesma coisa por essência como a seu princípio supremo”. Por exemplo, todas as coisas quentes, por participação, reportam ao fogo, que é quente por essência. Dado que todas as coisas que existem e participam do ser são entes por participação, é preciso que acima de todas as coisas haja algo que tenha o ser em virtude da sua própria essência. Essa causa é Deus. “Tudo o que existe participa do seu Ser.”

A prova antológica de Deus de Santo Anselmo da Cantuária (italiano, 1033-1109, arcebispo de em Cantuária, no Reino Unido) que, a partir do conceito do Ser perfeito, de algo pensado, portanto, deduziu sua existência necessária. Assim, Deus existe porque Ele é obrigatoriamente um ser perfeito. O argumento de Anselmo d’Aosta consiste no fato de que a existência de Deus não é reconhecida por meio de uma trajetória de pensamento que passa pelo mundo. Antes, deriva do conhecimento da essência divina: aquilo que existe de fato é maior e mais perfeito do que aquilo que existe no pensamento.

Maimônides (1138-1204), máximo expoente da escolástica judaica, para provar a existência de Deus, alega quatro evidências: a primeira baseia-se na casualidade, a segunda no fluir, a terceira na contingência, a quarta na potencialidade. Escreve Maimônides: “… as coisas passam da potência ao ato. Mas lá onde há passagem da potência ao ato deve intervir um agente externo. (…) Mas na série dos agentes não se pode regredir ad infinitum. Deve-se, então, remontar a uma causa da passagem do estado de potencialidade ao de atualidade, que seja estável e não inclua nenhuma potencialidade. Na essência de tal causa nada existe potencialmente, pois tudo é pura atualidade. Esse ser que existe atualmente por força da própria essência é Deus.”

João Duns Scoto (teólogo e filósofo irlandês, 1266-1308) argumenta “que o que pode ser produzido não pode ser produzido por si mesmo, e menos ainda do nada: deve-se chegar a uma causa primeira em todas as ordens de casualidade formal e final. Essa causa infinita e suprema só pode ser Deus”.

O francês René Descartes (1596-1650) deu início a um pensamento filosófico, em especial relativo a Deus, cujo poder cognoscitivo do homem passou a ser continuadamente submetido ao crivo da crítica.

Em seu livro Ética e no Tratado sobre a religião e o Estado, o filósofo Baruch Espinoza (1632-1677) delineia a sua concepção de um Deus despersonalizado, contrariando todas as formas teológicas de então, que viam a divindade como uma entidade, oculta, transcendente, que se revela e age conforme sua vontade soberana. Sua teoria não compartilhava a ideia de um Deus autocrático, que controla a tudo e a todos e se refugia em algum ponto distante da abóboda celeste. Deus é base de sustentação e a condição subjacente da realidade como um todo. Um Deus que está imbuído da mais clara evidência e certeza racional; que se autoconstitui como causa de si e de todas as coisas; que se move em função de uma necessidade que lhe é intrínseca e gerada de sua própria essência, por meio de processos mecânico-causais e de leis invariáveis, responsáveis pelo funcionamento do mundo. Spinoza dá uma demonstração de Deus, que é definido como: “Deus, isto é, a substância que consta de infinitos atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita, existe necessariamente (…). De fato, existe necessariamente aquilo em relação ao qual não há nenhuma razão nem causa que impeça que Deus exista ou que elimine a sua existência, deve-se concluir que Ele necessariamente existe”.

Para Gianbattista Vico (filósofo italiano, 1668-1744), o curso dos acontecimentos históricos não é caótico, mas ordenado, como é ordenado o mundo da natureza, e isso atesta a existência de Deus.

Gottfried Wilhelm Leibniz (filósofo alemão, 1646-1716) se vale da prova das verdades eternas e da prova da contingência, considerando Deus como possibilidade: “somente Deus tem essa possibilidade que não inclua nenhum limite, nenhuma negação e nenhuma contradição, implica a existência; e Deus é exatamente essa possibilidade”.

Em A crítica da razão pura, Immanuel Kant (1724-1804) procura demonstrar que qualquer argumentação especulativa sobre a realidade de Deus é vazia. Isso, segundo Kant, porque de Deus faltam elementos empíricos que fundamentariam uma argumentação a posteriori: não só não se as conhece, como não há nenhum caso em que a essência de uma coisa não inclua a sua existência; e, como o princípio de casualidade funciona apenas no mundo dos fenômenos, não se pode fazer nenhum uso transcendente desse princípio. Kant em Metafísica dos Costumes, escreveu: “Dado que a ideia de Deus é produzida interiormente pela nossa razão e é criada por nós ou com o propósito teorético de explicar o finalismo do mundo na sua totalidade ou para motivar as nossas ações, nós não temos em Deus um ser em relação ao qual poderíamos ter obrigações; (…) ele, o dever religioso, é apenas um dever do homem em relação a si mesmo”.

Georg Wilhelm Friedrich Hegel (filósofo alemão, 1770-1831) se fundamenta na metafísica como ascensão do contingente ao Absoluto, porque são expressão da racionalidade: “As assim chamadas provas da existência de Deus devem ser consideradas apenas como descrições e análises do procedimento do espírito, que é pensante e pensa o sensível. A elevação do pensamento para além do sensível, o ir além do finito para o infinito, o ‘salto’, que se realiza rompendo a série das coisas sensíveis, para o suprassensível – tudo isso é o próprio pensar, é apenas o pensar”. Ainda segundo Hegel, as provas cosmológicas não permitem alcançar o verdadeiro conceito de Deus. No máximo, chegam a uma ideia de Deus como causa primeira ou como organizador supremo.

Ludwig Feuerbach (filósofo alemão, 1804-1872), reconhecido pelo ateísmo humanista, afirmou que não foi Deus que criou o homem, mas o contrário, foi o homem que criou Deus.

Segundo o também alemão Friedrich Nietzsche (1884-1900), o Deus moral da religião judaico cristã deve a sua origem ao rancor do homem contra a vida, a crítica e até o desprezo pela vida. Nietzsche no texto Gaia Ciência, apresenta, de maneira plástica, a dimensão trágica do evento, a morte de Deus: “Ouvistes falar daquele insensato homem que, à plena luz da manhã, saiu com uma lanterna pelas ruas gritando: ‘Procuro Deus! Procuro Deus!’. (…) ‘Ele se perdeu?’, brincou alguém. (…) E o homem insensato passou pelo meio deles e os atacou com o olhar: ‘Para onde foi Deus?’, gritou. ‘Pois eu vo-lo direi! Fomos nós que o matamos: vós e eu! Somos, todos nós, assassinos’.”

Maurice Blondel (filósofo francês, 1861-1949), que tinha como objetivo estabelecer a relação correta entre o raciocínio filosófico autônomo e a crença cristã, concluiu que Deus é uma exigência do homem, que há, de fato, toda uma tensão para a realização plena, completa, que o homem não pode satisfazer nem na ordem do ser nem na ordem da verdade e do bem. A impossibilidade de levar a termo remete necessariamente ao transcendente.

Jacques Maritain (1882-1973), pensador francês de orientação católica, formula um pensamento novo e afirma que, para chegar a Deus, há três saltos interligados entre si: colocar-se frente à existência atual das coisas que são totalmente independentes; ver a existência como um evento no qual não se tem nenhuma parte, inclusive a morte; enfim, transportar-se dessa existência ameaçada para uma existência absoluta.

Segundo Battista Mondin (1926-2015), sacerdote italiano do Instituto Xaveriano, “Deus acompanha o destino de cada criatura”. Esse é o pensamento de quase toda a comunidade das religiões judaico-cristãs. Porém, se Deus acompanha, ele provê e muda o destino. Consequentemente, poderia mudar o livre-arbítrio das criaturas.

Leandro Karnal definiu Deus “como o espaço não explicado”. É a justificativa humana para as suas dores. Para o historiador e cientista das religiões, “a prova da existência de Deus é que ele sobreviva às religiões e os seus ministros”.

 

Provas da existência de Deus

Estudiosos classificam as provas da existência de Deus como ontológicas, cosmológicas, antropológicas e teleológicas. Eu, particularmente, simpatizo com a cosmológica, que se baseia nos fenômenos de contingência do Universo (cosmos).

Provar a existência de Deus é impossível. Para Santo Agostinho, provar a existência de Deus parece ser uma tarefa fácil que basta empenho: a ideia de Deus é um conhecimento universal e naturalmente inseparável do espírito humano. O homem não pode ignorar, mas, ao mesmo tempo ele não pode compreendê-la, de modo conhecerá Deus tal como Ele é.

São Tomás de Aquino divide as provas a posteriori (as que assumem como ponto de partida algum fenômeno deste mundo) e a priori (as que partem da ideia de Deus). Já Immanuel Kant divide as provas em tipos, a saber: ontológico (baseado na ideia de Deus; assim, a sua existência é deduzida da sua essência); cosmológico (baseado no princípio de casualidade e no fenômeno do devir) e teleológico (baseado na ordem das coisas e no princípio de finalidade). Outro modo de classificar é o ontológico (que se baseia no ser); o cosmológico (que se baseia nos fenômenos da contingência do mundo) e antropológico (que parte das exigências de autotranscedência que se encontram no homem).

A estrutura essencial das provas da existência de Deus, segundo o sacerdote Battista Bondin compreende quatro fases; 1 – percepção do fenômeno da contingência, isto é, de que o mundo não é tudo; 2 – necessidade de uma causa que explique a realidade do contingente; 3 – impossibilidade de uma série infinita de causas segundas ou contingentes; e 4 – existência de uma causa transcendente, que é Deus.

Qualquer que seja a operação intelectual realizada pelo homem, ela sempre tem por objeto descobrir uma verdade desconhecida. O destino do homem é o de um ser ignorante em busca do que ignora, de sorte que a vida do pensamento é essencialmente investigação: suponha-se, então, que essa investigação se torne para si mesma o seu próprio objeto. Nesse caso, em quais condições é possível o desenvolvimento de um pensamento em busca de verdades desconhecidas?

 

Como chegar a Deus?

Para quem crê, essa questão não se propõe: ele já se encontra na presença de Deus e o experimenta todos os dias. Quem crê não abstrai Deus, mas testemunha Deus na fé, na natureza e na história.

Para encontrar Deus é preciso sair da imanência para tomar a via da transcendência.

Mas a ideia de Deus poderá mesmo ser simplesmente fruto da criatividade e genialidade humana, consequência das necessidades, desejos e ideais do homem, ou, ao contrário, possui uma interna e inventável verdade que impede absolutamente que Deus possa ser mera ideia subjetiva da consciência humana, que pode viver em certas épocas históricas e desaparecer em outras, como afirmou Nietzsche quando falou da “vida” e da “morte! De Deus?”

A primeira inteligência pura, enquanto deriva do primeiro Ser, é necessária. Entretanto, considerada em si mesma, ela é apenas possível, pois ninguém seria capaz de obrigar o Primeiro a causá-la. Desde a primeira produção do primeiro causado, vê-se produzir-se uma dualidade, sem que a causa primeira seja de algum modo afetada por ela. A primeira inteligência conhece necessariamente o primeiro Ser; mas ela se conhece também como necessária por ele. E ela se conhece, enfim, como possível por si mesma, portanto é a uma tríade de atos que estão relacionados desde a origem das coisas, ainda que a essência produzida por Deus seja puramente uma em tudo o que ela conserva do princípio do seu ser.

Outro problema com a palavra Deus é o subjetivismo que a acompanha. Há muitos que forjam para si um deus à sua imagem, conforme sua semelhança, e procuram forçá-los aos demais. Deus é construído no pensamento.  É necessária uma imagem de Deus. Deformamos em nós a imagem de Deus, somos incapazes de reformá-la. E quem poderá refazê-la tal como foi feita em princípio?

 

O Deus de cada um

O crente atual customizou Deus. A religiosidade brasileira não reconhece a autoridade, mas o gosto do indivíduo. Cada um tem o seu próprio Deus. A entrega não é a submissão.

Como se adquire a ideia de Deus? Ela é a posição de uma coisa no contexto da experiência total: posição ou relação que, de um lado, não acrescenta nada ao conceito da coisa em si, mas, por outro lado, o pensamento, uma percepção da existência, possível a mais e em relação à experiência.

As pessoas que acreditam em Deus podem ser divididas de acordo com o tipo de Deus em que acreditam.

Romanos 1, 20 ensina que é possível elevar-se ao conhecimento das propriedades invisíveis de Deus partindo da consideração do universo criado: Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas …”

A religião institucional e a religiosidade como prática crescem sem parar nos tempos atuais. A média das pessoas hoje está convencida de que a humanidade precisa mais de Deus.