Documentário How art made the world – Como a arte fez o mundo

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O programa dois do documentário O dia em que as imagens nasceram, produzido pela BBC em 2005, dirigido por Robin Dashwood e Mark Hedgecoe, rompe um paradigma: as imagens foram criadas para representar o mundo real, mas, segundo o documentário, foram também a forma que o homem pré-histórico encontrou para expressar suas imagens mentais.

O documentário inicia afirmando que os humanos dão significados a linhas e pontos. Distinguem uma forma de outra. Entendem que um arranjo de cores pode representar algo. E que têm a habilidade de ler imagens. Uma pergunta é feita: Como seria o mundo se o homem não tivesse essa habilidade? As imagens certamente nunca teriam sido inventadas.

Porém, em algum momento do passado antigo era assim que o mundo parecia: sem imagens. Como se adquiriu a habilidade de criar imagens?

Num dado tempo, o homem passou a entender o que as imagens significavam, que supostamente eram a representação de algo ao seu redor.

Sabe-se que a imagem bidimensional, desenhada e representada, é identificada instantaneamente. Os adultos percebem muitas imagens sem terem que pensar. Ao se voltar no tempo, em algum momento o homem começou a criar figuras e a desenhá-las.

Em Altamira, norte da Espanha, as descobertas dão a ideia de como as imagens foram criadas. A arte rupestre paleolítica data de 30000 a 11000 a.C. Marcelino de Sautuola, em 1875, iniciou buscas em cavernas próximas de onde morava. Em 1879, ele e sua filha, Maria, que sempre o acompanhava, descobriram pinturas de bisões no teto de uma caverna que investigavam. Hoje se confirma que foi a primeira galeria de pinturas pré-históricas.

Pinturas em caverna em Altamira, Espanha.

Por que alguém pintaria animais em uma caverna escura há 32 mil anos atrás?

Depois de Altamira, outras descobertas foram feitas. Em uma caverna chamada Lascaux, na França, uma galeria de imagens foi encontrada. As pinturas mostram que os pré-históricos pintavam com confiança e habilidade. Ao se considerar que o sapiens tem aproximadamente 150 mil anos, assume-se que não foi criada nenhuma imagem nos primeiros 100 mil anos de história.

Pinturas na caverna de Lascaux, na França.

Como e por que ocorreu essa “explosão criativa” do sapiens há apenas pouco mais de 30 mil anos? Por que começaram a criar imagens do mundo ao seu redor?

A primeira explicação dos especialistas pareceu óbvia: foi para criar representações das coisas ao redor. Mas essa explicação mostrou-se inconsistente à medida que mais e mais cavernas de arte foram descobertas. Os pré-históricos criavam imagens principalmente de animais. E não era qualquer animal, mas de alguns em particular. Cavalos, bisões e renas. Mas por quê? O que havia nesses animais que tanto impressionava a mente dos antigos ancestrais?

Henri Breuil, um sacerdote, arqueólogo e geólogo francês (1877-1961), o primeiro especialista em pinturas em cavernas, acreditava que as pinturas retratavam as caçadas. A teoria parecia ser razoável. Explicava o porquê somente alguns animais eram pintados. Mais recentemente, quando os arqueólogos começaram a examinar os ossos de animais encontrados, que foram caçados e comidos dentro das cavernas, descobriram algo intrigante. Os artistas pré-históricos criaram essas imagens para aumentar a chance de uma caçada ser bem-sucedida. Entretanto, seria de esperar que pintassem imagens de suas presas. Mas não.

Em Altamira (Espanha), por exemplo, os artistas pintaram bisões, mas os ossos que foram abandonados e encontrados pelos arqueólogos eram de cervos. Assim, de modo geral, fica clara a pouca correlação entre os animais registrados na arte pré-histórica e os animais que aparecem na dieta.

Por que as figuras foram pintadas em cavernas escuras, nas partes mais estreitas e mais profundas, onde as pessoas não podiam vê-las? O que esses artistas estavam pintando?

Caverna em Peche Merle, na França.

Há registros de pontos, linhas ou formas abstratas. E muito frequentemente esses padrões eram repetidos sobre imagens mais reconhecíveis, de modo aparentemente aleatório. Por que, por exemplo, em Peche Merle, pintaram cavalos, em série, com pontos no corpo? As explicações foram de que as pinturas não representavam coisas do mundo, ou caçadas, como se pensava. As imagens muitas vezes são confusas.

Há alguns anos, na África do Sul, nas montanhas de Drokensberg, as imagens descobertas em paredes de rochas eram muito semelhantes às pinturas de cavernas europeias. Mas essas pinturas haviam sido feitas a apenas algumas centenas de anos atrás. O povo bosquímano as havia pintado. James David Lewis Williams (arqueólogo sul-africano) ao examinar as pinturas, percebeu que, ao invés de pés, havia homens pintados com cascos bovinos. Também, que suas pernas estavam cruzadas. Ao estudar mais as imagens, identificou que havia seres antropomórficos (homens com cabeças de antílopes), e outros com pelos por todo o corpo, assim como os antílopes também pintados.

Os bosquímanos atualmente já não vivem mais nas montanhas. Agora vivem a cerca de 1.600 quilômetros de distância, nas planícies do Kalahari da Namíbia. Continuam caçando, mas muitas de suas tradições ancestrais desaparecerem. Histórias de membros dos bosquímanos do século XIX foram registradas e preservadas em um arquivo que está na cidade do Cabo. Esses documentos foram escritos pelo colonizador alemão, Wilhelm Bleek, no final do século XIX, que descobriu que os bosquímanos, responsáveis pelas pinturas nas rochas de Drakensberg, estavam vivos, e começou a entrevistá-los, o que gerou cerca de doze mil documentos.

Ao ler os manuscritos de Bleek, o arqueólogo sul-africano James Williams verificou que a religião dos bosquímanos havia sido construída sobre uma noção de viagem para um mundo espiritual. Eles acreditavam que, enquanto se estava vivo, seus espíritos podiam deixar seus corpos para visitarem o mundo espiritual. E isso acontecia quando entravam em transe (estado alterado de consciência), nas suas cerimônias religiosas. Hoje, esses costumes continuam a fazer parte do povo bosquímano. O shamam viaja para o outro mundo em busca de ajuda para poder auxiliar os que lhe pedem assistência, principalmente médica. A cerimônia começa com um canto rítmico. O shamam começa a dançar, acompanhando o ritmo dos tambores. Para se apartar do que está acontecendo a sua volta, cai no solo, às vezes inconsciente. É quando ele diz viajar para o outro mundo, o dos espíritos. James Williams associou o transe do shamam às pinturas de seus ancestrais nas rochas.

A resposta havia aparecido: havia na pintura analisada um antílope que estava morrendo, provavelmente por ter sido atingido por uma flecha envenenada. Segurando a sua cauda estava um homem, e suas pernas também estavam cruzadas. O homem tinha, ao invés de pés, cascos de antílope. Estava claro que as pinturas não eram figuras da vida diária. Retratavam uma experiência espiritual. Viam enormes antílopes em seus momentos em transe. Recriavam os seus encontros alucinógenos que estavam em suas mentes ao registrá-los nas rochas.

Assim como as imagens na África do Sul, dos bosquímanos, as pinturas paleolíticas da Espanha e da França pareciam enxertar detalhes dos animais com os corpos humanos, inventando criaturas. Por que pessoas de diferentes partes do mundo e separados por milhares de anos fizeram pinturas com padrões geométricos visivelmente similares? A resposta provavelmente estava no cérebro dos artistas.

O que acontece ao cérebro quando as pessoas entram num estado alterado? Sabe-se que as primeiras coisas que veem são linhas em zigue-zague, brilhantes, como quando se tem uma forte dor de cabeça. Ou veem nuvens de pontos. Todos os cérebros funcionam da mesma maneira. Quando estimulados igualmente, respondem da mesma maneira. Quando, com os olhos fechados, estimulados por luzes e flashes, é possível aos homens verem coisas. Isso porque existem regiões do cérebro que representam tipos de padrões de “grades”. A luz parece irritar essas áreas e induzem a uma alucinação. Quem tiver esse tipo de estímulo terá a experiência parecida. Muitos indivíduos vendados por muito tempo começarão a ver os padrões de “grades”. Assim, ao entrarem nas cavernas, os pré-históricos experimentavam a privação de sentidos que induzia a alucinações de formas abstratas e de padrões. À medida que os transes se estendiam por longos períodos, as alucinações tomavam maior importância emocional.

Arqueólogos descobriram recentemente, no topo de uma colina, nas montanhas Taurus, a sudeste da Turquia, o santuário Göbekli Tepe, construído por humanos caçadores coletores há aproximadamente 13.000 anos. Encontraram diversos complexos, que acreditam serem de natureza ritual, erguidos com enormes pedras em forma de “T”, cada uma com aproximadamente 10 metros de altura, e pesando de 10 a 50 toneladas.  Um dos motivos que levou os arqueólogos a crer serem santuários foi a posição de dois pilares centrais de todas as estruturas, virados para o Oeste que, na cultura dos sumérios, representava o renascer. Os pilares são esculpidos em alto relevo, com figuras animais. Existem cerca de 40 templos circulares em volta de Göbekli Tepe, o que indica a realização de culto de um grande número de pessoas.

Göbekli Tepe, Turquia.

Pesquisadores coletaram amostras de trigo de pequenas plantações na colina, próximo às montanhas de Taurus, levaram-nas para laboratório para extrair o DNA e compará-lo com espécies de trigo utilizadas na agricultura atual, e outras de espécies de trigo selvagens (ancestrais). O DNA das amostras de Göbekli Tepe era muito próximo do de outras variedades de trigo selvagem. Deduziu-se, então, que nessa época, em razão da quantidade de pessoas que se reuniam no santuário para realizarem seus rituais e orações, elas precisavam se alimentar. A partir daí, então, começou o manejo de plantações, a agricultura excedente, para produzir e alimentar aqueles religiosos que se reuniam.