Hinduísmo

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O hinduísmo começou na Índia, por volta de 1500 e 2500 a.C., embora estudiosos acreditem ter surgido antes de 6500 a.C., com as primeiras escrituras, o Rigveda, ou Livro dos Hinos. O termo hindu é um termo cuja utilização data dos dois últimos séculos. Surge no contexto da geografia para designar os povos que viviam além do rio Indo. Também, no fim do século XVII, foi utilizado para se referir aos povos do Indostão, região noroeste da Índia. O sufixo ismo foi acrescentado à palavra hindu por volta de 1830, para designar a cultura e religião dos brâmanes de castas elevadas, no intuito de diferenciá-la das demais religiões. Hoje, os hindus são aproximadamente 900 milhões no mundo.

O hinduísmo não possui um fundador histórico, como é o caso de muitas outras religiões mundiais. Os fundamentos da religião estão contidos nos quatro livros sagrados, os Vedas, que em sânscrito quer dizer conhecimento. São eles: Rig-Veda, Samã-Veda, Yajur-Veda e Athara-Veda. Esses livros contêm hinos, ritos e preces. Embora tenham características que aparentemente os unificam, são bastante diversos e reúnem um número considerável de tradições e ideias.

Muitos hindus acreditam em um Deus transcendente, para além do universo, que está ao mesmo tempo dentro de cada criatura viva e pode ser acessado de diferentes maneiras, ou seja, pode ser cultuado através de inúmeras formas. As várias tradições que constituem o hinduísmo contemporâneo podem ser classificadas em três vertentes principais: as tradições da ortopraxia bramânica (a ênfase na conduta – técnicas e credos), as tradições da renúncia e as tradições populares locais.

O hinduísmo é frequentemente definido como uma religião politeísta. Entretanto, apesar de ser correto afirmar que existem inúmeros deuses como objeto de culto, os hindus, de forma geral, consideram esses deuses como aspectos ou manifestações do poder sagrado.

A devoção (bhakti) aos deuses, mediada por representações ou por pessoas sagradas, provê refúgio em tempos de crise e a libertação final (moksa) da ação (karma) e do ciclo de reencarnação (samsãra).

Dharma expressa o dever, a justiça, a ética, ou o cumprimento do ritual védico pelos brâmanes. Circunscreve tanto o ritual quanto o comportamento moral; é a força que confere contorno de especificidade aos diversos fenômenos, aquilo que faz as coisas serem o que são. A negligência do dharma acarreta consequências negativas tanto na esfera pessoal quanto na esfera social. É um comando, expresso nos Vedas, de realização de uma ação ritual, da qual não se deriva nenhum outro benefício senão o fato de que sua realização configura aquilo que não é dharma, isto é, algo passível de retribuição negativa ou “pecado”.

A religião da vida mundana trata das necessidades práticas: a obtenção do favor das divindades em momentos de crise; a garantia de obtenção futura, nesta ou na próxima vida, de uma condição existencial superior; e o cumprimento adequado das ordenações de vida.

Segundo os ensinamentos hinduístas, o mundo material é uma mera ilusão; conforme as Upanishads, Maya é ilusão, fantasia, pura imaginação e faz parecer real para enganar os homens e fazê-los sofrer. O hinduísmo primordial, o Védico, cultua os deuses tribais; o posterior, Vedanta, ascende à Trindade: Brahma, Vishnu e Shiva. Eles adotam conceitos como o de reencarnação e o de transmigração de almas. Existem inúmeros ramos quanto ao sistema de crenças, sem nenhuma doutrina dominante; é um conglomerado de ideias religiosas, filosóficas, culturais e de práticas. A palavra hinduísmo, no entanto, não é encontrada em nenhum tipo de registro védico.

Os escritos sagrados hindus foram passados de geração em geração oralmente por séculos antes que fossem escritos no idioma sânscrito, e os principais incluem o Bhagavad-Gitã (o livro sagrado que predomina atualmente), as Upanishads, e os épicos de Rãmãyana e Mahãbhãrata. Conforme a tradição, os Vedas se apresentam como sendo livros de natureza revelada; um conhecimento preservado por gurus, ou mestres espirituais, por muitas gerações. O hinduísmo permite que uma ampla gama de divindades seja reverenciada, admitindo que os praticantes escolham a forma de deus que mais os inspira. Faz uso da representação de símbolos e imagens como um tipo de teologia visual, as quais transmitem ideias sobre os deuses e a estrutura do Universo.

São vários os vários filamentos religiosos do hinduísmo, entre eles destaca-se alguns a seguir.

Bramanismo 

Vê os quatro Vedas como canônicos. Os Vedas  são entendidos como a palavra eterna da própria divindade. O bramanismo é considerado ortodoxo monista, ou seja, propõe a existência de um único princípio fundamental como a base de toda a realidade, e considera que todos os elementos e objetos da natureza são redutíveis à unidade onipresente de um princípio divino: Brahma está além de todas as formas, além de todas as divindades, e é impessoal. Foi uma tradição da casta sacerdotal hindu, que adotava exclusivismo e elitismo ao recitar os Vedas nos cultos, pois o sânscrito é arcaico e de difícil compreensão para os hindus comuns.

Vaishnavismo

Tem sua própria revelação. É monoteísta e vê deus na forma de Vishnu, uma divindade menor do panteão védico (no Rigveda somente cinco de mais de mil hinos são dedicados a ele). É uma divindade excepcionalmente benigna, às vezes é retratada como manifestação alternativa de Shiva. Em outras ocasiões, Vishnu e Shiva são tratados como entidades que se excluem mutuamente.

Shaivinismo

Também tem sua própria revelação. É monoteísta, vê deus na forma de Shiva. Foi criado às margens da ortodoxia bramânica. O shaivinismo manifesta uma preocupação menor em se enquadrar ou se ajustar às tradições oriundas da revelação védica – possui seu próprio corpus de revelação.

Apresenta uma enorme diversidade de formas religiosas, que vão das tradições Smãrta (que adotam o culto doméstico de cinco santuários com cinco deidades, todos tratados como iguais – Shiva, Vishnu, Surya, Ganesha e Devi) ou dos cultos purânicos a Shiva, até as tradições extáticas do tipo bhatki e às formas altamente esotéricas dos cultos tântricos radicais.

O mito de Daksa é uma das narrativas mais importantes do corpus literário da tradição shivanista. A história aparece, originalmente, no Mahãbhãrata e existem muitas variantes nos Purãnas. Daksa, filho de Brahma (nos Vedas sua mãe é Aditi), é pai de Sati. Atraído pelo poder das práticas de austeridade ascética de Sati e por sua beleza, Shiva decide se casar com Sati. Durante a cerimônia de casamento, ocorrem desentendimentos entre Daksa e seu genro heterodoxo. Após Shiva e Sati retornarem ao monte Kailãsa, Daksa dá início às preparações para a realização do ritual de sacrifício do cavalo, para o qual todos os deuses são convidados, com exceção de Shiva. Embora Shiva não se importe com a desfeita, Sati fica consternada com o insulto. Tomada de raiva, ela decide ir até o local de realização do sacrifício. Daksa, entretanto, impede a entrada de Sati, que num gesto de ira, comete suicídio, autoimolando-se no fogo produzido pelo seu próprio poder ióguico. Enfurecido ao tomar conhecimento da morte da esposa, Shiva assume a forma terrível de Virabhadra e, acompanhando de briguentos seres demoníacos, invade o sacrifício de Daksa e destrói todo o aparato ritual. Decapitado por Shiva, Daksa converte-se na própria vítima sacrificial. Em seguida, Shiva decide revivificar o próprio sacrifício e ressuscitar Daksa, nele implantando, de acordo com algumas versões, uma cabeça de bode. O sacrifício transcorre, então, sem maiores incidentes com a presença de Shiva. Versões subsequentes do mito sugerem que Shiva encontra o corpo de Sati e, num misto de tristeza e frenesi, abraça o cadáver da esposa e dança com ela, desvairadamente, pelo universo afora.

Shiva é o deus do obscuro e do paradoxo. Wendy Doniger O´Flaherty (professora de História das Religiões e de Estudos Indianos na Universidade de Chicago, autora do livro “Siva, the Erotic Asceti”) o descreve como “asceta erótico”; ele é o que agride a decência e o iogue celibatário que realiza suas austeridades ascéticas nos Himalaias. É representado com três olhos e, com seu terceiro olho, ele reduziu a cinzas o deus do Desejo. Shiva dança nos crematórios e seduz as mulheres dos sábios. É um asceta selvagem e, ao mesmo tempo, o chefe de família ideal que permanece ao lado de sua esposa, Pãrvati e de seus dois filhos Ganesa (o deus do intelecto, da sabedoria e da fortuna) e Skanda. É descrito como convergência de duas metades, uma feminina e outra masculina. É o senhor supremo que cria, mantém e destrói o cosmos.

A divindade é cultuada nas seguintes representações iconográficas: 1 – como senhor do ioga; 2 – com o corpo coberto de cinzas, com o terceiro olho, os cabelos trançados em forma de coque, o Ganges escorrendo pelos cachos, uma cobra e o colar de contas sagrado como guirlanda, um assento de pele de tigre e um tridente nas mãos; 3 – como chefe de família; 4 – como Shiva Natarãja, o senhor da dança, símbolo de energia infinita; 5 – como Shiva (ícone) presente na maioria dos templos hindus.

É somente com os Purãnas que o shivaismo desponta como uma das principais correntes da religiosidade hindu.

Krshnaísmo ou Bhagavatismo

Essa tradição adora Vishnu em sua manifestação ou descida na forma de Krshna. Parece que a escola surgiu antes de 500 a.C., e a dinastia Sãtva/ Yadu, à qual Krshna pertencia, desempenhou um papel importante no seu desenvolvimento. Os ensinamentos de Krshna no Mahãbhãrata em geral, e especificamente no Bhagavat-Gitã, deixam claro que esse mestre tinha uma relação conturbada com a comunidade bramânica ortodoxa.

Por volta de 900 d.C. os bhãgavatas produziram o Bhãgavata-Purãna, com dados teológicos, mitológicos e rituais relacionados a Krshna, num total de 335 capítulos distribuídos em doze livros. Esse texto foi divulgado no Ocidente pelos devotos Hare Krshna da Sociedade Internacional para a Consciência de Krshna, sob a direção espiritual de A. C. Bhaktivedanta Swami.

A tradição Pãncarãtra

Teve seu início no começo da era pós-budista, e centrou-se em Vishnu, na forma do deus Nãrãyana. O termo pãncarãtra (cinco noites) e o nome Nãrãyana aparecem pela primeira vez no Brãhmana tardio, o Shatapatha-Brãhmana, talvez de 1500 a.C. Trata-se de um sábio, Nãrãyana, que se divinizou. Os textos da tradição, a Ahirbudhnya-Samhitã (800 d.C.), trazem explicações detalhadas da teologia e da filosofia dessa escola.

Existem outras escolas, como por exemplo a tradição Sãtvata, que não comentaremos.

O Neo-hinduísmo

O termo se refere a movimentos reformistas político-religiosos (renascimento hindu) como o Brahmo Samaj, fundado por Raja Ramo Mohan Roy em 1828; o Arya Samaj, fundado por Dayananda Sarasvati em 1875; o criado por Bal Gangadhar Tilak em Maharashtra; e a introdução do hinduísmo no Ocidente, a partir de 1893, por Swami Vivekananda.

A Trindade

Ao benigno Vishnu atribui-se o papel de preservador do universo, enquanto Brahma é o criador, e Shiva, o destruidor. Brahma-Vishnu-Shiva, representado com três cabeças num único pescoço, às vezes com três faces numa única cabeça, nunca alcançou papel de destaque na adoração ritual. Tratou-se de um processo de síntese entre o vaishnavismo, o shaivinismo e o bramanismo.

Existem outras tradições como o Hari-Vamsha, uma linhagem de Hari (Krshna); os Árvãrs, derivado do vaishnavismo que iniciou no sul da Índia; e a tradição Shrí-Vaishnava, que data de 1025 e adotou a forma heterodoxa do Pãncarãtra.

Samsãra, karma e duhkha

As noções de samsãra, karma e duhka, de importância para o hinduísmo, conforme os estudiosos, surgiram aproximadamente no século VI a.C.: os seres reencarnam diversas vezes no mundo (samsãra) e as ações produzem resultados em outras vidas (karma). O processo de reencarnações sucessivas é marcado pela presença do sofrimento (duhkha) e a libertação desse processo pode ser alcançada através do conhecimento espiritual e da neutralização (das consequências) da ação.

A ação conduz ao renascimento e, portanto, ao sofrimento. O desapego da ação, ou até mesmo a inação, conduz à emancipação espiritual. O desapego absoluto e, portanto, a emancipação espiritual, pode ser alcançada através do ascetismo e de métodos que mantêm a consciência focada e concentrada.

A guerra externa converte-se, por assim dizer, numa guerra interna que objetiva o controle do corpo e das paixões.

Upavedas, as ciências védicas

 A cultura védica criou ainda grandes tradições de conhecimento, estudadas e praticadas, como Upavedas (ciências derivadas dos Vedas): Ayurveda, o sistema médico; Dhanur Veda, artes militares e marciais; Sthapatya Veda (Vastu Shastra), arquitetura e engenharia; Jyotish, astrologia; e Gandharva Veda, música, dança e teatro.

Yoga

A essência do yoga, a aspiração à transcendência, enquanto ciência da mente e da consciência, foi formalizada no contexto da cultura védica.

O termo yoga significa controlar, e refere-se a técnicas e disciplinas de asceticismo e meditação que conduzem a uma experiência espiritual e a um entendimento profundo ou insight sobre a natureza da existência. O yoga é uma disciplina de controle da mente e dos sentidos que permite a superação do ego.

O Yoga Sutra de Patanjali foi escrito aproximadamente em 100 a.C. e contêm os breves aforismos do yoga clássico. Patanjali define o yoga como a cessação das oscilações mentais, ou seja, é um estado de concentração que envolve o controle da mente, cuja tendência natural à dispersão é devida às impressões sensórias e à memória, e sua fixação deliberada num único foco.

Patanjali é o nome que se dá ao mítico codificador do yoga, autor dos Yoga Sutras, textos aparentemente escritos entre 100 a.C. e 100 d.C. Os Yoga Sutras são uma coleção de 196 sutras sobre a teoria e a prática do yoga, ou seja, buscam definir os conceitos fundamentais e explicar o seu método. Presume-se que o conhecimento apresentado nos textos não era algo novo, mas a formalização de uma tradição que já colocava esses ensinamentos em prática desde tempos longínquos, remontando aos Vedas e às Upanishads. Fortemente embasado na visão dualista do samkhya, a filosofia de Patanjali visa elucidar a relação existente entre purusha (consciência) e prakrti (matéria) e explica que entre eles existe um elo, chamado de samyoga, no qual o purusha encontra-se num estado de alienação (avidya) diante do encanto exercido por prakrti. O objetivo do processo de yoga é desfazer essa samyoga através de uma discriminação ininterrupta (ãviveka) que trará o purusha de volta a si, compreendendo sua liberdade (apavarga ou kaivalya) inerente em relação à prakrti. Isso significa dizer que o objetivo do yoga seria, em termos gerais, a libertação do espírito em relação à matéria.

Patanjali sistematizou as disciplinas e a filosofia do yoga, propugnou que todo aquele que adota uma atitude de discernimento espiritual reconhece, necessariamente, que a vida mundana é marcada pelo sofrimento. A libertação do sofrimento exige a libertação da ação e seus efeitos. Inicialmente, a renúncia à ação era entendida como renúncia à ação ritual. Subsequentemente, porém, passou a significar renúncia a toda ação ao mundo social. Essa renúncia pode ser alcançada através do ascetismo (tapas) e da meditação, isto é, através de técnicas que permitem a realização de estados alterados da consciência e o alheamento desta com relação ao mundo dos sentidos e que, como consequência, ensejam a experiência plena da transcendência do mundo. As comunidades de ascetas ficaram conhecidas como sramanas, literalmente, aqueles que se esforçam, isto é, aqueles que buscam alcançar a libertação através das práticas de austeridade.

O renunciante

A renúncia ao fogo é a renúncia total ao mundo. O renunciante não está mais circunscrito pelas injunções védicas de manutenção do fogo sagrado, ele vive através da mendicância (não tem mais a necessidade de cozinhar o alimento); o fogo e o alimento cozido são símbolos da cultura e a comida crua é símbolo da natureza, então o renunciante, ao abdicar ao fogo, deixa à cultura; ele busca transcender a cultura e alcançar o reino puro e transumano da libertação espiritual.

O renunciante exercita o desapego absoluto e trata todas as coisas do mundo de forma equânime, transcendendo o apego pelo mundo material.

Houve uma mudança quanto ao entendimento de que, de acordo com as novas ideologias ascéticas, a salvação espiritual não pode ser alcançada pelo simples nascimento numa casta superior, mas tão somente pelo insight libertador, isto é, pela compreensão da natureza da existência. Não é alguém que nasce desta ou daquela mãe, mas sim do indivíduo cuja conduta é plena de pureza e moralidade.

A ênfase numa performance externa dá lugar à ênfase numa meditação interna; o verdadeiro sacrifício converte o ato de fazer uma oferta ao fogo num ato de respiração: um sacrifício em benefício do self que é realizado dentro da alma.

O renunciante não mais anui o fogo sagrado; ele não poderá mais realizar quaisquer rituais.

A completude espiritual e a experiência de bem-aventurança que decorre da realização da essência da alma enquanto brahman promove a cessação da ação e suas consequências, ou, os renascimentos. A ideia de que toda a ação produz um efeito a ser experienciado nesta ou em vidas futuras e a ideia de que as experiências da vida presente são consequências de ações passadas são de importância para a parte da teologia hindu que trata da salvação do homem.

Diferentemente do renunciante, o homem-no-mundo existe enquanto funcionalidade social. Ele opera dentro dos limites impostos pelo contexto social, mais especificamente, pelo sistema de castas, que está baseado na distinção entre pureza e impureza. As limitações sociais determinadas pela inserção no sistema de castas impedem que o homem-no-mundo seja um indivíduo; ele existe tão somente enquanto parte integrante de uma rede social. O renunciante está fora da jurisdição dessa rede. Está fora da sociedade e é capaz de se afirmar enquanto individualidade. Ele vai se dedicar integralmente à busca de sua própria salvação, que constitui fonte de inspiração e de ideias e influências para a religião do chefe de família. A condição de indivíduo fora da sociedade é o que permite ao renunciante ser o verdadeiro agente de transformação da religião indiana e o criador de valores que se incorporaram, posteriormente, à tradição bramânica do chefe de família.

Exemplos do panteão de deuses hindus: 

Muitos deuses do panteão hindu personificam os elementos e os fenômenos naturais, dos quais destacam-se:

  • Hanumat, (Rei dos Macacos), representa a respiração (que Krshna manda Arjuna dominar com o objetivo de controlar a mente).
  • Ganesha, o que remove os obstáculos e traz as soluções.
  • Agni, divindade do fogo.
  • Indra, deus do céu.
  • Mitra, deus do Sol (representa a luz), da sabedoria e da guerra; foi incorporado da mitologia persa à mitologia hindu.
  • Vayú, deus dos ventos.
  • Vivasvãn e Surya, deuses do Sol.
  • Yama, deus da morte.
  • Ashvins, dois gêmeos divinos de cabeça de cavalo, os deuses da cura e da agricultura.
  • Himavat, deus da montanha.
  • Kubera, deus da prosperidade.
  • Aditi, a mãe do Universo.
  • Usas, a deusa da aurora.
  • Upsas, a deusa das águas.
  • Nirti, o deus da destruição.
  • Varuna, o deus da ordem ética.
  • Apas, o deus das águas.
  • Prthivi, o deus da Terra
  • Vãc, o deus do discurso.

Agni é identificado como o fogo sacrificial. Ele conduz os mortos ao reino de Yama, deus da morte, além de purificar e transportar todas as oferendas aos reinos dos deuses. Agni baseia-se na ideia de que o fogo se esconde dentro do mundo e é despertado pelos gravetos combustíveis que os acendem.

Os devas habitam um cosmos hierárquico, que é dividido em três mundos: o céu ou paraíso (svar), a atmosfera (bhuvas) e a Terra (bhur). O céu é habitado por Dayus, deus do céu; por Varuna, deus da retidão; Mitra, deus do Sol; por Pusan, o nutridor; e por Vishnu, o mantenedor. A atmosfera é habitada por Indra, deus guerreiro; por Vayú, deus do vento; pelos Maruts, deuses da tempestade, e por Rudra (deus dos trovões e das tempestades). A Terra é habitada por Soma, deus da planta soma; por Agni, deus do fogo; por Brhaspati, deus sacerdote.

A visão de morte no hinduísmo 

O hinduísmo considera a morte como uma indicação da eternidade da alma. A imortalidade pode ser vista, segundo os ensinamentos dos textos do Bhagavad-gitã, a partir de duas perspectivas: a da transmigração da alma e a da libertação da existência material. Os textos Upanishads revelam que o homem tem uma alma imortal, que renasce depois da morte. Todas as ações durante a vida levam a consequências, ou seja, a doutrina sustenta o conceito de que todas as ações de uma vida formam a base para a próxima. Assim, o karma não é uma punição pelas más ações ou uma recompensa pelas boas. É uma constante impessoal, como uma lei natural, e segundo essa lei, qualquer dor causada a outro deverá ser experimentada no futuro. A penitência para a purificação do karma se baseia em manter controle sobre os próprios sentidos, corpo e mente, que está sempre desejando gratificar os sentidos. O hinduísmo compactua com a crença no samsãra, uma cadeia de nascimentos e mortes ligadas à reencarnação. O devoto que segue a vida distanciando-se de suas buscas e desejos carnais, e em busca da semelhança da alma universal, Brahma, partirá em vida eterna, unificando-se nessa energia-pura. A liberação, chamada de moksha, é a libertação do ciclo do renascimento e da morte e a iluminação espiritual, que é alcançada no passar de muitas vidas.

No rio Ganges, que passa pela cidade de Varanasi, e é considerado sagrado, ocorre a queima de corpos há centenas de anos. Na cerimônia de luto, os entes que participam devem transmitir alegria, pois a morte significa uma nova jornada, para a qual a alma precisa de energias boas. A cremação dos corpos possui todas as características de um sacrifício. O indivíduo é cremado no mesmo dia de sua morte. O cadáver é banhado, untado de pasta de sândalo e, se for do sexo masculino, tem seu cabelo cortado. Ele é envolto em um tecido e levado em procissão para o crematório pelos parentes do sexo masculino que caminham cantando o nome de Rãm – a luz dentro do coração. Na pira funerária, os pés do cadáver ficam voltados para o sul, na direção do reino de Yama, o deus da morte, e a cabeça fica voltada para o norte, na direção do reino de Kubera, deus da prosperidade. Caso o falecido seja “duas vezes nascido” (de castas superiores), a pira funerária é acesa com a utilização do fogo doméstico da família. Os restos mortais são coletados entre o terceiro e o décimo dia depois do funeral e são enterrados ou imersos num rio, de preferência o Ganges. Os ritos finais consistem no oferecimento ao falecido de bolos de arroz, que viabilizam a edificação de um novo corpo no mundo vindouro, o mundo dos espíritos (preta-loka – a alma, um estado transitório entre a morte e a obtenção da reencarnação cármica).

O sofrimento no hinduísmo 

O hinduísmo trata o sofrimento de duas maneiras: uma filosófica e outra moral. Na filosofia hindu, sofrimento é causado por ignorância e karma. Pelo fato de as pessoas não terem consciência de que são realmente uma alma divina, buscam prazer e vivem de forma egoísta. Isso as leva a prejudicar uns aos outros.

A tese do karma (ação) diz que todo mal que se faz ao outro também afetará ao que o fez. Dessa forma, se alguém está sofrendo, pode ser pelo fato de ter feito coisas ruins em uma vida passada. Então, o sofrimento tem um benefício porque o que sofre está se livrando do karma ruim. Já a resposta moral para o sofrimento tem duas partes. Primeiro, para evitar o sofrimento, as pessoas deveriam viver moralmente para que não venham a ter karma ruim e sofrer no futuro. Segundo, e mais importante, ajudar aos que sofrem é uma oportunidade de ganhar um bom karma que se torna um benefício no presente e nas vidas futuras. Para se libertar das misérias da existência material, deve-se reduzir ao mínimo os prazeres e demandas dos corpos.

O culto às vacas

O animal tem um status diferenciado na maioria das correntes da religião hindu. A origem dessa adoração remonta ao período em que os Vedas foram compostos. Uma das explicações é o fato de os habitantes da antiga Índia serem pastores nômades, que dependiam do gado para a sobrevivência e, portanto, precisavam proteger seus rebanhos. Ainda assim, os animais eram sacrificados em rituais – mas as vacas leiteiras eram poupadas. Esse salvo-conduto das fêmeas é citado em algumas passagens do próprio Rig-Veda, do Mahãbhãrata e de um importante código de conduta dos hindus, o Manu-smirti (também conhecido como As Leis de Manu), escrito a partir de 200 a.C. Com o tempo, as vacas foram ganhando importância e, cada vez mais, passaram a ser associadas às principais divindades do hinduísmo.

Os livros do hinduísmo

Os Vedas são considerados, por grupos hindus, como revelações atemporais que não possuem autoria humana: são eternos e contêm todo o conhecimento. Para outros, são uma revelação de Deus, que teria sido visto pelos antigos profetas (rsi). O cânone pressupõe uma tradição oral, transmitida de geração em geração, de forma meticulosamente cuidadosa e precisa, que se inicia com os profetas védicos, a classe sacerdotal, os brâmanes.

Uma das distinções literárias dentro do corpus védico é entre a categoria de textos denominada mantra, que consiste em hinos versificados utilizados na liturgia (conhecidos como Samhitã), e a categoria de textos denominada brãhmana, que consiste em discursos de exegese ritual. São textos que descrevem as regras de utilização dos rituais e que fornecem explicações sobre eles, seus significados e propósitos. O sanscritista Max Müller acreditava que todas as divindades dos Vedas eram “os agentes que operavam por detrás dos grandes fenômenos da natureza”, como o fogo, a água, a chuva, o sol, as tempestades etc.

Os Samhitãs (textos ou versículos mais antigos nos Vedas, consistindo em mantras, hinos, orações e bênçãos) contêm especulações filosóficas a respeito da origem da vida, sobre o que existiria no início dos tempos, quando não havia existência nem não existência, nem morte nem imortalidade, nem luz nem escuridão. O texto é o seguinte: “De onde surge a criação – é possível que ela tenha se criado a si mesma ou talvez não – aquele que a olha lá de cima, do alto do céu, somente ele pode saber – ou, talvez, nem ele saiba.”

Os Upanishads buscam aprofundar as temáticas dos Ãranyakas (um grupo de autores da literatura indiana, filósofos, que viviam na floresta, falando sobre as místicas cerimônias e seu sentido) e explicitar a natureza e o significado do ritual.

O Rig Veda é uma coleção de dez livros com 1028 hinos dedicados a várias deidades, escritos antes de 1200 a.C. Cada um desses dez livros foi escrito por sábios pertencentes a diferentes linhagens familiares.

O Purusa Sukta, hino 10.90 do Rig Veda, dedicado ao Purusa, o ser cósmico, descreve a criação do mundo pelos deuses enquanto sacrifício e desmembramento de um gigante cósmico, a “personalidade masculina” (Purusa). Das diferentes partes do corpo, surgiram o cosmos, a sociedade, os próprios versos, canções e fórmulas dos Vedas. De sua boca se originou a classe superior sacerdotal, os brâmanes, que são a voz da sociedade. De seus braços originou- se a classe de guerreiros (rãjanya, posteriormente chamados de ksatriya), que encarnam a força e poder da sociedade. De suas pernas se originam os plebeus (vaisya), símbolo da sustentação material da sociedade. E de seus pés se originam os servos (sudra), que permitem que a sociedade se mantenha viva. Trata-se de uma imagem idealizada: os brâmanes garantem o sustento espiritual da comunidade através da realização dos rituais védicos; os governantes e guerreiros protegem e governam a comunidade; os plebeus dedicam-se à agricultura e à pecuária; e os servos estão a serviço das demais classes.

No poema épico Rãmãyana, o deus-rei Rãma é banido para a floresta com seu irmão Laksmana e sua esposa Sitã. Sitã possui uma enorme força interior – é dedicada, modesta, bonita – ela é a esposa ideal das castas superiores. Rãma, príncipe de Ayodhã, filho do rei Dasaratha, é casado com a princesa Sitã, filha do rei Janaka de Videha. Em cumprimento à promessa de realização de desejo, feita anteriormente à sua outra esposa, Kaikeyi, o rei Dasaratha é obrigado a ordenar o banimento de Rãma. Em obediência, Rãma retira-se para o exílio na floresta Dandaka. Ele é acompanhado por sua mulher Sitã e por seu irmão Laksmana. Numa ocasião, quando os irmãos haviam saído para caçar, Sitã é sequestrada por Rãvana, o rei- demônio de dez cabeças do Sri Lanka. Com a ajuda de um exército de macacos, enviado pelo rei-macaco Sugriva, Rãma consegue resgatar Sitã. Sob a liderança do general-macaco Hanumãn, que é filho de Vayú, o deus do vento, uma ponte é construída da Índia até o Sri Lanka, o que permite a Rãma e seu exército atravessar o oceano e derrotar o rei-demônio. Rãvana e seu exército são dizimados e Rãma retorna a Ayodhyã, onde é canonizado rei. O povo da cidade suspeita que Sitã tenha perdido a castidade durante o período de seu sequestro. Para cumprir o dever com seus súditos, Rãma vê-se na obrigação de determinar o banimento de Sitã. Ela refugia-se no eremitério de Vãlmiki – a quem é atribuída a autoria de Rãmãyana – onde ela dá à luz filhos gêmeos. Muitos anos depois, Rãma descobre a existência dos filhos e deseja levá-los, junto com Sitã, de volta para Ayodhyã. Sitã não deseja retornar e conclama a presença da sua mãe, a Terra, que se manifesta abrindo uma cratera e engolindo Sitã. A narrativa termina com Rãma e todos os habitantes de Ayodhyã se dirigindo para o rio Sarayu e, lá chegando, adentrando o corpo de Vishnu. Como no Mahãbhãrata, o Rãmãyana é uma narrativa sobre o dharma. Dasaratha é forçado a banir seu próprio filho, em cumprimento à sua própria palavra, palavra essa que é seu próprio poder. Rãma deve exilar-se na floresta a fim de obedecer a seu pai, tal como prescreve o dharma, e, ao final da história, deve banir Sitã para cumprir seu dever com os súditos, ainda que não duvide da virtuosidade de Sitã. O Râmãyana é a história da vitória do bem sobre o mal, da ordem sobre o caos, do dharma sobre o adharma.

Os principais temas do Bhagavad-Gitã são: a importância do dharma; a alma é imortal e, até o momento de sua libertação, estará sujeita ao renascimento; a divindade suprema, transcendente e imanente, é alcançável através da devoção (bhakti) e pela instrumentalização da graça.

Para evitar o conflito, o rei cego decide pela divisão do reino: Duryodhana passa a reinar na região norte, tendo por capital a cidade de Hastinapura, e Yudhisthira, o mais velho dos Pãndavas, passa a reinar sobre a região sul tendo por capital a cidade de Indraprasta (a atual Delhi). Durante visita a Indraprasta, Duryodhana cai acidentalmente num lago, o que provoca gargalhada jocosa de Yudhisthira. Duryodhana não suporta o insulto e desafia Yudhisthira para um jogo de dados em Hastinapura, que teria como prêmio para o vencedor a soberania sobre todo o reino. Yudhisthira, que nutre uma paixão incontrolável pelo jogo, aceita a proposta. Como consequência, ele perde todas as suas posses, incluindo a mulher Draupadi. Os cinco príncipes Pãndavas não somente perdem o reino que lhes cabe por direito como também são exilados por treze anos.

Às vésperas da batalha entre Pãndavas e Kauravas, Arjuna enfrenta um dilema moral: deveria ir para o campo de batalha e, com isso, matar membros de sua própria família ou deveria renunciar ao mundo e tornar-se um mendicante, evitando, assim, um banho de sangue. O conflito de Arjuna é entre o cumprimento do dever da guerra próprio de um guerreiro, filho de Pãndu – e o ideal da não violência sustentado pelas tradições da renúncia. Em resposta aos temores de Arjuna, Krshna exorta-o a lutar; não o fazer significa fraqueza e desonra. Arjuna, entretanto, rejeita esse argumento e permanece em sua recusa a lutar. Com isso, Krshna acrescenta duas outras razões para a necessidade do cumprimento das exigências da guerra: a alma não pode ser morta, e, com o envolvimento de Arjuna na batalha, sua ação não poderá afetar a alma eterna que transmigra, em reencarnações sucessivas; e o de que fazer a guerra constitui o dever e a responsabilidade que são próprias do guerreiro. A guerra é legal e deve ser empreendida em cumprimento ao dharma, com desapego.

Como já foi dito acima, o texto contém uma pluralidade de temas: a necessidade do cumprimento do dever enquanto algo compatível com a libertação, a demonstração da divindade de Krshna e a sustentação de uma pluralidade de caminhos conducentes à libertação.

A ideia de que um ser humano, Arjuna, é amado pelo senhor supremo, que existem laços de amor entre o humano e o divino, foi revelada pela primeira vez no hinduísmo, no Gitã.

Os Purãnas constituem, originariamente, tradições orais que foram convertendo-se em formas escritas e absorvendo influências dos épicos, dos Upanisads, da literatura do dharma e dos textos do ritual. Existem dezoito Purãnas principais e dezoito subsidiários ou Upapurãnas. Foram classificados de acordo com três qualidades (gunas) inerentes à existência, a qualidade de pureza (sattva), a paixão (rajas), e a escuridão ou inércia (tamas). Eles contêm material para a compreensão das religiões de Vishnu, de Shiva, da deusa Devi e de outras divindades do panteão hindu, tais como Agni (o deus do fogo), Skanda (o deus da guerra e filho de Shiva), Ganesa (o filho de Shiva com cabeça de elefante) e Brahma (o criador do universo, dotado de quatro cabeças). Eles apontam para uma dinâmica de polaridade crescente de Vishnu e Shiva e constituem documento sobre a conformação bramânica de seus cultos, deixando transparecer o quanto as dimensões populares da religião foram assimiladas pelos brâmanes que os compuseram.

Vishnu desperta de seu sono cósmico, assume a forma do deus de Rudra (um nome de Shiva), e destrói o universo. Depois disso ele descansa reclinando na serpente Sesa que flutua no oceano cósmico. Com isso, a narrativa confere a Vishnu o status de divindade suprema: assume as funcionalidades de Brahma, Vishnu e Shiva.

As características mais importantes dos Purãnas são as genealogias das diversas linhagens reais, que combinam tanto história quanto mitologia, e as complexas cosmologias.

Contido num vasto “mundo-ovo”, o universo é concebido como um conjunto de círculos concêntricos que emanam do monte Meru, situado no centro. Próximo ao Meru encontra-se Jambu-dvipa, a Terra. Jambu-dvipa está cercada por um oceano salino. Emanam desse ponto outras sete regiões e outros tantos tipos de oceanos. Depois disso, aparece o reino das trevas, já na parte externa da casca do ovo. Existem outras camadas do ovo cósmico situadas tanto abaixo quanto acima da terra. Debaixo da terra existem sete submundos e, debaixo deles, na base do ovo, situam-se os reinos infernais cujos inúmeros nomes, como “perfurador” e “ferro em brasa”, descrevem vividamente sua realidade. Acima da terra encontram-se a atmosfera (bhuvas), o céu (svar) e vários outros mundos até se alcançar o monte Meru, em cujo topo se situa o “verdadeiro mundo” (satyaloka). O cosmos, em sua totalidade, é habitado por várias espécies de seres: humanos, animais, plantas, deuses, cobras (nãga), ninfas (apsaras), músicos celestiais (gandharva), espíritos errantes (paisaca) e muitos outros. Dependendo de suas próprias ações, (karma) os diversos seres podem reencarnar em qualquer um desses reinos; nem o céu nem o inferno são entidades permanentes.

O que parece ser importante nessas narrativas mitológicas é a história que se conta, o sentido da verdade que ela transmite e o sentido de valores comunais, tradicionais ou de identidade, que se transmitem. Os textos mitológicos não são jamais textos neutros. Eles refletem pontos de vista particulares, geralmente em apoio a perspectivas de determinados grupos. A maior parte da literatura védica, entretanto, carece ainda de traduções nas línguas modernas ocidentais.

O sacrifício religioso 

A prática religiosa dos arianos védicos era o sacrifício e o compartilhamento mútuo e com os diversos seres sobrenaturais (devas), da refeição sacrificial. Os sacrifícios ensejavam tentar obter, dos deuses, o recebimento, em troca, de benefícios materiais na forma de filhos e gado, e o aprimoramento da condição social, do poder ou da pureza do sacrificador.

O termo sacrifício não se restringe à imolação de animais, mas refere-se a qualquer tipo de oferenda que é depositada no fogo sagrado, em especial as oferendas de leite, coalhada, manteiga clarificada e grãos, como o arroz e a cevada.

As oferendas não vegetarianas, de animais sacrificiais, aceitas somente por algumas divindades, são objeto de reprovação no hinduísmo moderno.

Através da realização do sacrifício, o sacrificador ou a comunidade são purificados: a vítima sacrificial torna-se um substituto do sacrificador ou da comunidade e opera a transmutação dos pecados da comunidade ou do sacrificador em bênçãos.

Um dos aspectos da ritualística hindu é a repetição de fórmulas sagradas, geralmente em sânscrito, em acompanhamento aos atos rituais. São os mantras, que são frases, sentenças ou palavras, em verso ou em prosa, recitadas ou cantadas, que visam a objetivos rituais e aspectos que se referem à salvação do homem.

Os ramos filosóficos ortodoxos

Os seis sistemas filosóficos ortodoxos são: 1 – Sãmkhya, a escola que postula um dualismo da matéria (prakrti) e do self (purusa), sendo ambos reais e distintos (o prakrti, conceito mais abrangente de matéria, inclui a noção ocidental de mente, evolui ou se transforma, a partir de um estado não manifestado). O self é transcendente. Os tattvas constituem o universo da experiência e amparam-se estritamente sobre o conhecimento discriminador, racional, especialmente a ênfase na causalidade; 2 – Yoga, a escola de Patanjali, autor dos Yoga Sutras, uma obra redigida em linguagem muito condensada, constituída por vários aforismos sobre a prática e a filosofia do yoga; 3 – Mimãmsã, que adota explicações interpretativas de conceitos e rituais dos Vedas, visando à busca de uma realização espiritual do indivíduo; 4 – Vedãnta, que emerge dos Upanishads e que sustenta a realidade do uno, preocupa-se principalmente com o conhecimento, através do qual se pode compreender qual a natureza da realidade;  Brahma é a realidade, consciência e a beatitude; 5 – Nyãsa, a escola da lógica – envolve tocar várias partes do corpo enquanto canta um mantra; 6 – Vaisesika, que postula a realidade do múltiplo – os elementos constitutivos da realidade não decorrem de uma fonte única, cada fenômeno é distinto e separado.

Vedãnta é a escola teológica de maior influência na Índia. É uma escola diversa, que contém dentro de si uma variedade enorme de posturas teológicas e filosóficas. As mais importantes tradições do Vedãnta são o Advaita Vedãnta, o Visistãdvaita Vedãnta e o Dvaita Vedãnta.

O shivaísmo é uma tradição complexa e abrange muitas sub-tradições cujas crenças e práticas teológicas variam, desde o teísmo devocional dualista, que significa a presença de dois princípios opostos, irredutíveis entre si e incapazes de uma síntese final ou de recíproca subordinação, até a descoberta meditativa monista de Shiva.

Alexis Sanderson (indologista de Oxford, 1948) divide o shivanismo em védico, purânico e não-purânico (esotérico, tântrico).

– Védico purânico: reverenciam os Vedas e os Purãnas e têm crenças que abrangem o teísmo dualista Shiva/ Bhakti, uma das três doutrinas ou caminhos básicos prescritos pelo hinduísmo para a liberação espiritual, e o monismo não-teísta, dedicado ao yoga e estilo de vida meditativa.

– Não purânico: é esotérico e tântrico, são sub-tradições minoritárias. Suas metas variam, indo da liberação na vida atual (mutki) até a busca de prazeres nos mundos superiores (bhukti). Seus meios também variam – de atimarga meditativo, até ao mantramarga, a recitação dirigida de mantras. Entre esses estão as tradições dualistas Saiva Siddhanta e Bhairava Shaivas (não-saiddhantika). Essas sub-tradições valorizam o sigilo, fórmulas simbólicas especiais, iniciação por um guru e a busca de siddhi (poderes especiais). Algumas dessas tradições também incluem ideias teístas e elaboram mandalas com significado espiritual incorporando mantras e rituais.

A maioria dos shivaístas seguem as tradições védico-purânicas. Eles reverenciam os Vedas, os Puranãs e têm crenças que abrangem desde a devoção a Shiva (bhatki), até ao monista dedicado ao yoga e à meditação, às vezes com renúncia da vida social.

Os Agamas são textos sagrados de sub-tradições específicas. São equivalentes aos quatro Vedas do norte da Índia (são os textos mais antigos da ciência ayurvédica – sistema medicinal indiano – e as fontes originais do Ayurveda), às vezes chamados de o quinto Veda, e são relativos a práticas do yoga. Mariasusai Dhavamony (professor de História das Religiões e Hinduísmo na Universidade Gregoriana, no Vaticano, 1925-1966) afirmou que em termos de filosofia e preceitos espirituais, nenhum Agama que contrarie a literatura védica é aceitável para os shaivas.

Os textos dos Agamas incluem cosmologia, epistemologia (estudo dos postulados, conclusões e métodos dos diferentes ramos do saber científico ou das teorias e práticas em geral, avaliadas em sua validade cognitiva, ou descritas em suas trajetórias evolutivas, seus paradigmas estruturais ou suas relações com a sociedade e a história), doutrinas filosóficas, preceitos sobre meditação, tipos de yoga, mantras, significados e manuais para os templos shivaístas, e outros elementos da prática. Têm como premissa a existência de atman (alma, self) e a existência de uma realidade última (Brahma, idêntico a Shiva). Os textos diferem na relação entre os dois (atman e Shiva). Alguns textos afirmam que são distintos, enquanto outros afirmam uma unidade entre os dois. Os Agamas do shivaísmo da Caxemira postulam a unidade absoluta: Deus (Shiva) está dentro do homem, Deus está dentro de cada ser, Deus está presente em todos os lugares do mundo, incluindo todos os seres não-vivos, e não há diferença espiritual entre a vida, a matéria, o homem e Deus.

 Algumas escolas do shivaismo:

Há muito o que escrever sobre a filosofia doutrinária, ritos, costumes etc. de cada uma das escolas shavinistas, porém apenas um suscinto descritivo sobre as principais dessas escolas será feito.

Saiva Siddhãnta é a mais antiga linhagem shivanista identificada com o tamil, povo dravidiano – grupos étnicos que falam qualquer dos idiomas de uma grande família linguística não indo-europeia – habitante do sul da Índia e Sri Lanka. Tem dúzias de tradições monásticas/ ascéticas. Seus seguidores almejam, como ideal, tornarem-se iluminados através da graça de Shiva. Sua teologia está fundamentada nos vinte e oito Agamas Shaiva e é referida como “teísmo monístico”, que reconhece que o monismo e o dualismo/ pluralismo são perspectivas igualmente válidas.

Pashupatas é outra antiga escola, fundada por Lakulisha, que viveu no século II, e considera Shiva interno no indivíduo, em todos os seres e em tudo que é observado. Para seus seguidores, o caminho para a libertação é um ascetismo restrito aos homens brâmanes e o mundo foi criado no insensível e no senciente.

Trika: no shivaísmo da Caxemira (um estado ao noroeste da Índia, onde foram revelados os Shiva Sutras, na qual essa filosofia se baseia), toda a criação nada mais é que uma personificação da consciência e energias supremas, chamadas Shiva e Shakti. A metafísica é uma forma de idealismo absoluto – tudo é Deus – e monismo, pois considera que a matéria não está separada da consciência, mas sim é idêntica a ela; a criação é uma energia consciente e tudo é essa consciência, transcendente e imanente, expressa em diferentes formas e nomes. Por exemplo, uma sub-tradição do shivaísmo da Caxemira adota a adoração à Deusa afirmando que o culto a Shiva é realizado através da deusa Shakti. Essa tradição combinou ideias monísticas com práticas tântricas. Outra forma dessa escola é a tradição trika, ou tríades modais de Shakti: suprema (para), suprema-não suprema (parapara), e não suprema (apara).

Aghorí são devotos de Shiva no aspecto do terrível Bhairava, a manifestação irada de Shiva. São monistas e buscam moksha para livrarem-se do ciclo de reencarnação ou do samsãra. Essa liberdade é alcançada quando unem sua alma (self) com Shiva. O propósito de abraçar a degradação e a impureza através de vários costumes vão além dos tabus sociais, alcançando o que é um estado alterado de consciência. O Shiva Purãna, assim como o Linga Purãna, descrevem Aghora como um dos cinco aspectos de Shiva. A maioria dos especialistas tântricos concordam que o movimento Aghora vem de Kapalika – o portador do crânio –, uma seita tântrica originalmente da Caxemira, cujos seguidores vestiam preto, alimentavam-se e mendigavam com uma tigela feita da parte superior do crânio humano (kapal).

Lãkulas: têm como texto fundamental o Pashupatas Sutras. Os devotos perambulam quase nus, bebem bebidas alcoólicas em público e usam um crânio humano como sua tigela para comida. Adornam-se com ornamentos feitos de ossos humanos (brincos, colar, pulseiras). Não aceitam nenhum ato nem palavras como sendo proibidos, habitual de sua divindade Rudra, de textos hindus antigos. No entanto, de acordo com o indologista Alexis Sanderson, um asceta Lakula é estritamente celibatário e não se envolve em sexo.

Kãpãlika: forma não-purânica do shivaísmo. Kãpãlikas significa portadores de caveiras, carregavam tradicionalmente um tridente encimado por uma caveira e um crânio vazio como tigela para esmolar. Outros atributos associados aos Kãpãlikas é que eles untam seus corpos com cinzas do solo de cremação, reverenciam a feroz forma Bhairava de Shiva e praticam rituais com sangue, carne, álcool e orgias sexuais. Os Kãpãlikas são mais de uma ordem monástica e não uma seita com uma doutrina escrita. A tradição deu origem a uma categoria de shaivismo tântrico.

Aghorí, Lãkulas e Kãpãlikas, embora pareçam uma única tradição, diferem entre si.

Tradição Kaula: segundo o manuscrito do século, Kaulajñánanirnaya, foi iniciada por Matsyendranáth e postula o estado natural (sahaja) de ser, no qual a mente permanece estável e entra na vacuidade (shunyá), libertando-se da dualidade (dvaita). Essa tradição não enfatiza a prática dos antigos ritos externos, como rituais de purificação, estudo das escrituras, práticas exotéricas, sacrifícios, banhos ritualísticos e abluções, assim como visitas periódicas a lugares sagrados, pois afirma que essas observâncias não têm valor como meios para se atingir o objetivo supremo de autoconhecimento e iluminação. Os kaulas pregam a substituição dos ritos externos por uma senda de esforço pessoal (sádhana), acompanhada pelo desenvolvimento das potencialidades alquímicas interiores.

Tradição Sãkta: o shaktismo concentra a sua adoração em Parvati, a Divina Mãe hindu, assim como em suas várias manifestações, como Durga e Kali, e outras deusas como Laksmi e Sarasvati, consideradas formas diferentes da mesma divindade.

Tradição Atimarga: enfatiza a libertação (moksha), ou o fim de todo o sofrimento (dukkha), como objetivo principal das buscas espirituais.

Mantramãrga: o caminho dos mantras é uma tradição shivaísta tanto para os casados quanto para os monges. Procura não apenas a liberação do sofrimento (dukkha), mas a obtenção de poderes especiais (siddhis) e prazeres (bhoga). Também desenvolve uma grande diversidade de rituais, divindades, técnicas de yoga e mantras. A tradição criou os Shaiva Agamas e o Tantra Shatra. O teísmo nos textos do tantra é semelhante aos encontrados no vaishnavismo e no shaktismo.

Nath: é uma sub-tradição shaiva baseada no yoga. Os Nath consideram Shiva como Adinatha, ou o primeiro guru. Adoram deusas e os seus gurus históricos, assim como metas de alcançar a liberação enquanto vivo (jivan-mukti), alcançando siddha, o estado perfeito de perceber unidade de si e tudo com Shiva.

Lingayats: é uma tradição shivaísta que enfatiza a devoção amorosa a Shiva. Comunidades de lingayats são encontradas no estado de Karnataka, no sul da Índia. Têm sua própria literatura teológica, como o Basava Puranã. Os pensadores da tradição rejeitam as interpretações dos brâmanes sobre os Vedas, mas não o conhecimento védico.

O elemento principal do shivaísmo tântrico é a prática do diksha, uma iniciação cerimonial na qual mantras são revelados ao iniciado por um guru. Segundo André Padoux (francês, especialista em tradições tântricas, 1920-2017), nas tradições tântricas o papel do guru é crucial: ele é muito mais do que um pai espiritual, é o único que pode colocar o discípulo (sisya) em contato com o Absoluto. As várias iniciações são vistas como passos para a libertação, fases de uma catarse progressiva. “A ideia básica e a estrutura do diksha são sempre as mesmas: é, mais uma vez, matar o homem velho (desconexo), dar espaço, através de uma série de rituais, a um novo homem”.

Shaktipat refere-se à concessão de “energia” espiritual a uma pessoa por outra; pode ser transmitido com uma palavra sagrada ou mantra, ou por um olhar, pensamento ou toque. É considerado um ato de graça (anugraha) da parte do guru ou do divino. Não pode ser imposto pela força, nem o receptor pode fazer isso acontecer. A suprema consciência ou a consciência do guru “entra” no ser do discípulo, constituindo uma iniciação da escola ou da família espiritual (kula) do guru.

 Escolas védicas

Yoga

Patanjali, o autor dos Yoga Sutra, provavelmente em 150 d.C., viveu entre 200 a.C. a 400 d.C. Nada se sabe sobre a vida desse autor, e algumas escolas acreditam que ele é totalmente ficcional. A palavra yoga já aparecia em textos antiquíssimos, e nos Vedas, muito antes de Pantajali.

O Yoga Sutra é uma obra redigida em linguagem condensada, constituída por aforismos (máximas capazes de traduzir amplos e complexos conceitos por meio de pequenas sentenças) sobre a prática e a filosofia do yoga.

O comentário de Vyasa – o compilador dos Vedas, organizador do Mahãbhãrata, que juntamente com o Ramãyana, são os maiores épicos clássicos da Índia, e autor dos Purãnas – define Pantajali como descendente de Santanu (é um rei de Hastinapura no épico do Mahãbhãrata, descendente da raça Bharata).

Existem diversas lendas sobre Pantajali, havendo uma que diz ser ele uma encarnação do deus serpente Ananta, ou meio homem meio serpente, ou ainda uma serpente que, desejando ensinar o yoga ao mundo, caiu (pat) dos céus nas palmas das mãos abertas (anjali) de uma mulher, que o chamou de Patanjali.

O Yoga é uma das seis escolas da filosofia hindu, um sistema de meditação prática, ética e metafísica, e se baseia nos Purãnas, Vedas e Upanishads. Visa ao controle das atividades psicofísicas para conseguirmos o objetivo de libertação ou moksha. Genericamente, as finalidades do yoga são desenvolver o homem, bem como atingir o samadhi, através do controle das modificações da mente.

Para se alcançar os objetivos do yoga, Patanjali propôs as seguintes etapas: 1- Yama, constituída por ahimsa (não agressão); satya (não mentir); asteya (não roubar); brahmacharya (ao serviço de Brahman); aparigraha (não cobiçar); 2-Niyama, constituída por saucha (pureza); santocha (contentamento); tapas (austeridade); svadhyaya (introspecção); 3-Ishvara- pranidhana (entrega das ações, sem esperar o resultado destas); 4-Asanas ou Posições psicobiofísicas; 5-Pranayama ou Controle da bioenergia; 6-Pratyahara ou Abstração dos sentidos físicos; 7-Dharana ou Concentração mental; 8-Dhyana ou Controle das modificações da mente; e Samadhi ou Êxtase.

O yoga é constituído por técnicas, além da imprescindível conduta correta (que engloba os Yama e Niyama), e que são: Kriya, tonificação e limpeza orgânica, que consiste em trataka, limpeza do globo ocular; kapalabhati, limpeza das vias respiratórias; nauli, limpeza abdominal; neti, limpeza das fossas nasais; dhauti, purificação do estômago, e basti, limpeza dos intestinos grosso e delgado. Esses servem de preparação para as técnicas seguintes, os Asanas (posições biopsicofísicas), bandhas (dinamizações musculares), pranayama (exercícios respiratórios de influência energética e neurovegetativa), e puja, (retribuição energética mental e/ou física). Essas técnicas poderão ser complementadas por mudras, que são gestos reflexológicos feitos com as mãos, em que a relação entre o cérebro e a mão é estimulada; yoganidra, técnicas de relaxamento físico, emocional e mental; manasica, projeção mental de determinados pensamentos e/ou sentimentos que contribuam para o bem-estar; dharana ou concentração mental, que podem ser conseguidos através de mandalas e yantras (símbolos de efeito psicossomático), ou por intermédio de determinados objetos, como, por exemplo, uma vela acesa.

A técnica seguinte utilizada é mantra, que ajudará na preparação de dhyana ou meditação (controle das modificações da mente). A penúltima das técnicas é o yoganidra (técnicas de relaxamento físico, emocional e mental), que no seu conjunto, contribuirão para o samadhi. Nele, a vontade do ego/eu pessoal alinha-se com a Vontade de Deus.

As duas das etapas mais importantes do yoga são o pranayama e dhyana ou meditação (também criatividade interior). Pranayama, em que prana é uma força vital que atua como intermediário entre a Consciência Una e a matéria física, enquanto yama significa controle ou restrição. Em pranayama se consideram quatro fases: o puraka, inspiração; kumbhaka, retenção com os pulmões cheios; rechaka, expiração; sunyaka, retenção com os pulmões vazios.

A técnica de yoga denominada por meditação (ou criatividade interior) não tem o sentido de remoção forçada de determinados pensamentos, sentimentos e palavras, mas antes, dar atenção aos respectivos padrões de comportamento que surgem no campo da mente. Por exemplo, quando nos identificamos com alguns aspectos da personalidade, o resultado tende a ser uma ação condicionada a esses padrões de comportamento. Nesse sentido, a meditação surge como um modo de intervir criativamente em padrões condicionados. Patanjali indicou que tal estado poderia ser conseguido, direcionando a atenção para o ato de respiração ou para um determinado mantra, repetido silenciosamente, ou ainda para um determinado estímulo externo particular (como a chama de uma vela), de modo a evitar-se a dispersão dos pensamentos e dos sentimentos. A meditação deve ser complementada com as técnicas de relaxamento como, por exemplo, o yoganidra. Acontece, então, o desapego do padrão de comportamento que condiciona, e esta etapa da meditação poderá conduzir a determinados insights ou experiências de pico. Nessa etapa é possível perceber a essência do próprio objeto da meditação, pois as distrações exteriores, relativas a determinados padrões de comportamento, são eliminadas.

O Yoga Sutra está dividido em quatro capítulos, ou livros, chamados pâda, com um total de 196 aforismos:

  1. samâdhi-pâda, com 51 aforismos, é o capítulo sobre o êxtase ióguico;
  1. sâdhana-pâda, com 55 aforismos, é o capítulo sobre a via de yoga;
  1. vibhûti-pâda, com 55 aforismos, é o capítulo sobre os poderes;
  1. IV. kaivalya-pâda, com 34 aforismos, é o capítulo sobre a libertação (kaivalya) ou conhecimento (eliminação da ignorância).

Samkhya 

É o sistema filosófico que reúne a filosofia dos Upanishads com as filosofias budistas e jainistas. A palavra significa enumeração. O sistema se baseia no Samkhya Karika (escrito por Isvarakrsna), no Samkhya Sutras (comentados por Vijnana Bhiksu), e nos Yoga Sutras (de Pantajali).

Discípulos de Kapila, um sábio védico, escreveram os aforismos em que se baseia o conhecimento atual sobre este sistema de pensamento. Teria sido o que Kapila teria ouvido de sua Mãe, nas margens do Ganges.

O objetivo do estudo do Samkhya é o cessar do sofrimento e da dor. Encara a dor e o sofrimento como provindos da ignorância (avidya).

O Samkhya é monista, ou seja, a realidade (tudo o que existe) se reduz somente em um único princípio, estando os seres condicionados a ele. Consiste na descrição do princípio do cosmos, em sentido filosófico. Admite purusha ou paramatman – a causa incausada sem princípio nem fim, a Luz da Consciência Una, e prakrití, matriz de todos os fenômenos – o mundo manifestado. Por vontade de purusha, prakrití, que é a vida em si mesmo, é “inseminada”, ocorrendo então um determinado ciclo da manifestação, no mundo manifestado.

Para entender o conceito de prakrití é necessário que se tenha em vista a noção de fenômeno: prakrití é a matriz que contém todos os fenômenos possíveis. Segundo a noção de causalidade aceita pelo Samkhya, um efeito qualquer está contido em potencial na sua causa específica. Assim, entende-se que, por exemplo o leite contenha em si a manteiga em forma latente potencial. Entretanto, o leite sozinho não pode gerar manteiga: para que o efeito se manifeste é necessário um arranjo específico de causas compostas.

A teoria do Samkhya, portanto, conclui que todos os fenômenos manifestos são efeitos de uma causa primordial, uma matriz de onde emanam todos os fenômenos possíveis (essa matriz é chamada prakrití). Para que possa ser efetivamente a causa primordial, é necessário que prakrití não seja ela mesma manifesta, dado que qualquer manifestação da sua parte seria um fenômeno causado – efeito e não a verdadeira causa. Assim, por vontade de purusha, após perturbação inicial em prakrití, começaram a surgir os vários planos de consciência.

Purusha pode ser apreendido através da noção de observador. É a consciência que observa os fenômenos de prakrití. Uma alegoria esclarecedora, é a do homem no cinema: o espectador é o observador de um filme desenrolando-se na sua frente, e pode, eventualmente, esquecer-se que é espectador, tamanha sua imersão na história. Purusha e prakrití são entidades distintas assim como atores e espectador, mas o espectador não reconhece sua verdadeira posição, e ao invés disso, se identifica com a história. No entanto, a verdadeira consciência própria (purusha) não se identifica com os fenômenos que testemunha. É somente o observador. O ego (ahamkara) é que se identifica erroneamente com o que se desenrola a sua frente. O sofrimento não é entendido como fruto de um pecado ou erro cósmico, e sim fruto do engano e da ignorância do ego. O purusha observa e sabe de tudo. Daí decorre que a liberação do samsãra pode ser atingida por meio do conhecimento verdadeiro da natureza do Ser.

A filosofia Samkhya defende que o cosmos evolui de maneira cíclica – nasce, cresce, encolhe, morre –, onde após períodos de manifestação (manvatara), se seguem períodos de não- manifestação (pralaya).

Nyaya

O Nyaya é uma das seis escolas de pensamento que integram a filosofia indiana. O fundador dessa escola era conhecido em sua época como Aksapada, o de olhos fixos nos pés. O texto de maior importância dessa escola é o Nyaya Sutra, escrito no século II a.C.

Para o Nyaya, toda forma de conhecimento resulta apenas de uma parcela da realidade, visto que, para os filósofos dessa escola, a realidade externa não chega a nós de forma pura, mas é modificada pelos nossos sentidos. Estabelecendo sua teoria do conhecimento, o Nyaya alegou existirem quatro fontes de conhecimento: a percepção, a inferência, a analogia e o testemunho fidedigno. No entanto, o princípio da contradição é de todos o de maior peso, já que ele nos permite reconhecer as conclusões falsas que se dizem ser retiradas de premissas corretas.

Foram desenvolvidos por essa escola extensos e numerosos tratados sobre sofismas, falácias e confusões.

Para a escola Nyaya, o papel da lógica é ajudar o homem a atingir a salvação, evitando os erros contidos no raciocínio comum.

Em contraste com a maior parte da escola Uttara-Mimansa (a escola Vedanta) e seu principal filósofo, Shankara, a escola Nyaya sustenta que o Eu – que, para os filósofos de Nyaya, é formado por diversas almas – com todas as suas particularidades e funções, é real, e que cada pessoa possui um Eu único.

Concernente à salvação, tema central de todas os sistemas filosóficos indianos, o ideal de libertação apresentado no Nyaya Sutra, é o desapego ascético que conduz a um estado de inconsciência. Essa ideia é similar à da escola Samkhya.

Vaisesika 

Vaisheshika tornou-se semelhante em seus procedimentos filosóficos, conclusões éticas e soteriologia (parte da teologia que trata da salvação do homem) à escola Nyaya, mas manteve sua diferença na epistemologia (estudo dos postulados, conclusões e métodos dos diferentes ramos do saber científico) e metafísica. Foram aceitos apenas dois meios confiáveis para o conhecimento: a percepção e a inferência (a que requer a intervenção de uma terceira proposição para se efetuar).

Admite-se que o aparecimento da escola Vaisesika tenha acontecido devido aos debates que surgiram entre os budistas e os hinduístas. A inferência (dedução lógica) é a base da filosofia de Kanada (500 a.C.), que prega que tudo no Universo manifestado, formado pelos cinco elementos, nomeadamente, fogo, água, metal, madeira e terra, é o reflexo de uma estrutura ou forma arquetípica não manifestada. Há a inferência ao nível da verdade relativa (esta utiliza o intelecto união mente-cérebro), que considera explicar apenas um determinado aspecto particular da realidade, uma vez que utiliza princípios restritos à própria natureza do pensamento concreto. Há a verdade última, nomeadamente a meditação ou a criatividade interior, que utiliza a intuição.

Kanada defendeu que essas leis, que governam o mundo manifestado visível, já existiam na Consciência Una (no plano de consciência vijnanamaya kosha ou arquetípico), mesmo antes de serem descobertas pelo intelecto humano.

A escola adotou uma forma de atomismo. Postulou que todos os objetos do universo físico são redutíveis para paramãnu (átomos), e suas experiências são derivadas da interação da substância (uma função dos átomos, seu número e seus arranjos espaciais). Tudo é composto de átomos, as qualidades emergem de agregados de átomos, mas a agregação e a natureza desses átomos são predeterminadas por forças cósmicas. A realidade é composta de cinco substâncias: terra, água, ar, fogo e espaço. Existem dois tipos de elementos: unitária (paramãnu) – aquela que é indestrutível, indivisível, e tem um tipo especial de dimensão, chamada “pequeno” (anu) –, e composta – o que é divisível em paramãnu. Tudo o que os seres humanos percebem é composto. Tamanho, forma, verdades, e tudo o que os seres humanos experimentam, são uma função do paramãnu, seu número e seus arranjos espaciais.

De acordo com a escola Vaisesika, o conhecimento e a libertação são alcançados por uma compreensão completa do mundo da experiência.

O hinduísmo identifica seis pramãnas ( meios que podem levar ao conhecimento) confiáveis para o conhecimento preciso e para as verdades: pratyaksa (percepção), anumãna (inferência), upamãna (comparação, analogia), anupalabdhi (não percepção) e sabda (palavra, testemunho de especialistas passados ou presentes). Dessas epistemiologias, a escola Vaisesika considera apenas pratyaksa (percepção) e anumãna (inferência) como confiáveis e meios de conhecimento válidos.

Pratyaksa (percepção) é de dois tipos: externo e interno. A percepção externa é descrita como aquela decorrente da interação de cinco sentidos e objetos mundanos, enquanto a percepção interna é descrita como a mente. Os textos antigos do hinduísmo identificam quatro requisitos para a percepção correta: indriyarthasannikarsa (experiência direta por órgãos sensoriais com o objeto), avyapadesya (o órgão sensorial se baseia em aceitar ou rejeitar a percepção de outra pessoa), avyabhicara (a percepção correta não muda, nem é o resultado de engano,   porque   o   órgão   sensorial   ou   meios   de   observação   estão   defeituosos), e vyavasayatmaka (percepção correta, e exclui julgamentos de dúvida, seja por não observar todos os detalhes, ou porque se está misturando inferência com observação).

Anumãna (inferência) é descrita como se chegando a uma nova conclusão e verdade, a partir de uma ou mais observações e verdades anteriores, aplicando a razão. Observar fumaça e inferir fogo é um exemplo de anumãna. Inferência é explicada por textos indianos como constituídos por três partes: pratijna (hipótese), hetu (razão) e drshtanta (exemplo). A hipótese deve ser ainda dividida em duas partes: sadhya (aquela ideia que precisa ser comprovada ou refutada) e paksha (o objeto no qual a sadhya – objeto ou objetivo – é predicada). A inferência é condicionalmente verdadeira se sapaksha (exemplos positivos como evidência) estiverem presentes, e se vipaksha (exemplos negativos como contra evidência) estiverem ausentes.

Mimansa 

Mīmansa em sânscrito significa reflexão ou investigação crítica e, portanto, refere-se a uma tradição de contemplação que reflete sobre os significados de certos textos védicos. Essa tradição também é conhecida como purva-mimãtsã em razão do foco nos textos védicos anteriores (purva), que lidam com ações rituais, e com o karma-mimãtsã, devido ao foco na ação ritual (karma). Refere-se também ao exame do texto védico.

Mimansa tem várias subescolas, cada uma definida por sua epistemologia (estudo dos postulados, conclusões e métodos dos diferentes ramos do saber científico, ou das teorias e práticas em geral). A subescola prãbhãkara, que leva o nome do filósofo do século VII, Prahãkara, descreveu os cinco meios confiáveis para se obter conhecimento: pratyaksa ou percepção; anumãna ou inferência; upamãna, comparação e analogia; arthāpatti, o uso de postulação a partir de circunstâncias; e sabda, a palavra ou testemunho de especialistas passados ou presentes. A subescola bhātta, do filósofo Kumãrita Bhatta, adicionou um sexto meio ao seu cânone; anupalabdhi (não-percepção, ou prova pela ausência de cognição; por exemplo, a falta de pólvora na mão de um suspeito de ter dado um tiro com arma de fogo).

A escola de Mimansa mostrou pouco interesse no exame sistemático da existência dos deuses. Considerou que a alma é uma essência espiritual eterna, onipresente, inerentemente ativa, e focada no dharma, rituais e deveres sociais.

A preocupação central da escola é o pramãna, que é o que são os meios confiáveis para se chegar ao conhecimento.

O texto central da escola Mimansa é o Mimansa Sutras, de Jaimini, século III a.C., cuja principal contribuição é a Teoria da percepção.

Os mimãnsãkas acolhem não apenas a demanda por provas de uma proposição cautelar como “o ritual leva ao céu”, mas sugerem que se deve examinar e provar proposições alternativas como “ritual não leva ao céu”, “outra coisa leva ao céu”, “existe céu”, “não existe céu” e assim por diante. A proposição precisa ser aceita como parte de um sistema de crenças. Eles afirmam que os seres humanos buscam niratisaya priti (prazer, alegria, felicidade) nesta vida e na próxima. Eles argumentam que esse bem mais alto é o resultado de suas próprias ações éticas (dharma), e que tais ações são o que as sentenças védicas contêm e comunicam. Portanto, é importante interpretar e compreender adequadamente frases, palavras, e os significados védicos.

Em cada atividade humana, a força motivadora para realizar uma ação é seu desejo inato por priti (prazer, felicidade ), que é assegurado pela realização de ações éticas.

Pratyaksa

Anumãna

Upamãna – Significa comparação e analogia.

Arthãpatti – Significa postulação circunstancial. Como exemplo, se uma pessoa saiu em um barco em um rio, e o tempo esperado de chegada já passou, então as circunstâncias sustentam a verdade do postulado, de que a pessoa chegou. Muitos estudiosos indianos consideraram este pramāṇa como inválido ou fraco, porque o barco pode ter se atrasado ou desviado.

Anupalabhi – É aceito apenas pela subescola de Kumarila Bhatta de Mimansa, e significa não-percepção, prova negativa/cognitiva. Anupalabdhi pramãna sugere que conhecer um negativo, como “não há jarro nesta sala”, é uma forma de conhecimento válido.

Sabda – Significa confiar na palavra, no testemunho de especialistas passados ou presentes. O homem precisa conhecer inúmeros fatos, e com o tempo limitado e energia disponível, ele pode aprender apenas uma fração desses fatos e verdades. Então, ele precisa contar com outras pessoas para adquirir e compartilhar conhecimento e, assim, enriquecer a vida uns dos outros. Algumas escolas, como Carvaka, afirmam que isso não é possível e, portanto, sabda não é uma pramãna adequada. Outras escolas debatem meios para estabelecer confiabilidade.

Os princípios centrais de Purva Mimãtsã são o ritualismo e o antiascetismo. O objetivo central da escola é a elucidação da natureza do dharma, entendido como um conjunto de obrigações rituais e prerrogativas a serem executadas adequadamente.

Os seguidores decidiram, também, que as evidências que supostamente provam a existência de Deus, eram insuficientes. Eles argumentam que não havia necessidade de postular um criador para o mundo, assim como não havia a necessidade de um autor para compor os Vedas, ou um Deus para validar os rituais. Mimãtsã argumenta que os deuses nomeados nos Vedas não têm existência além dos mantras que falam seus nomes. A esse respeito, o poder dos mantras é o que é visto como o poder dos deuses.

O dharma como entendido por Purva Mimansa pode ser compreendido como virtude, moralidade ou dever, e o desempenho correto dos rituais védicos.

As origens da escola residem quando o ritual de sacrifício védico estava sendo marginalizado pelo budismo. Para neutralizar esse desafio, vários grupos surgiram dedicados a demonstrar a validade dos textos védicos por meio da rígida formulação de regras para a sua interpretação. A escola ganhou força com Sãbara, e atingiu seu ápice nos séculos VII e XVIII com Kumãrila Bhatta e com Prabhãkara.

Mimansa exerceu influência quase dominante sobre o pensamento hindu aprendido, é creditada como uma grande força que contribuiu para o declínio do budismo na Índia e enfraqueceu na Idade Média, com o advento da escola Vedanta.

O texto fundamental para a escola Mimansa é o Purva Mimãtsã Sutras, de Jamini (V a IV a.C). Um grande comentário foi composto por Sãbara em V ou VI d.C., atingindo seu auge com Kumãrila Bhatta e com Prabhãkara.

O Mimansa Sutra, de Jaimini, resumiu as regras gerais da escola Nyãya para a interpretação védica e tem 12 capítulos.

Vedanta 

Vedãnta ou Uttãra Mimãmsã, é uma tradição espiritual explicada nas Upanishads escrituras Shruti hindus (cânon de escrituras hindus), que discutem religião e são consideradas pela maioria das escolas do hinduísmo como instruções religiosas –, tem o foco no autoconhecimento, através do qual se pode compreender a natureza da realidade ilimitada (Brahman). O Vedãnta aponta para Brahman com o termo tríplice saccidãnanda: realidade (sat), consciência (cit) e plenitude (ãnanda).

A palavra Vedãnta pode ser interpretada como, veda = conhecimento + anta = fim, conclusão; “o ápice do conhecimento”.

O seu principal expoente é Sankara (820-788 a.C.), que desenvolveu a Teoria da ilusão. Segundo o filósofo, há dois tipos de ilusão: a ilusão devido a não compreensão correta da realidade feita pelos sentidos – um entendimento errôneo por parte do espírito (viparitakhati/ anyathakhyati), e a ilusão de sentirmos, pensarmos e agirmos como se fôssemos realmente separados do Todo (akhyati).

O Vedãnta entende que avidya (ignorância ou incompreensão da natureza da realidade) acontece devido ao desconhecimento da Essência mais profunda, ou Consciência Una. Essa consciência é encoberta por determinados véus, denominados por koshas (planos de consciência). Quando se evolui acontece o desvendamento ou rasgar desses véus, O objetivo final, então, é o processo evolutivo de desvendamento. A alma prisioneira, tendo perdido a alegria interior, procura no mundo exterior, por meio do Ego/eu pessoal, coisas que ofereçam uma sombra dela. Assim, o Ego/eu pessoal procura atrair pessoas ou objetos que possam trazer algum prazer físico, emocional e mental, repelindo igualmente qualquer coisa que traga dor/ infelicidade, criando assim um círculo de ilusão em volta de si próprio. Maya (ilusão) é a perpetuação da atenção do Ego/eu pessoal em torno de si mesmo, impedindo-o de penetrar através do véu.

É através da alteração dos estados mentais não harmoniosos, como o rajas (é a força que cria desejos para adquirir coisas novas, e temores de perder aquilo que já se tem; esses desejos e medos conduzem à atividade) e tamas (inércia, letárgico, entorpecido ou lento), para um estado equilibrado e harmonioso (sattwa), que o Ego/eu pessoal se desapega da personalidade, e tem a possibilidade de passar pelas experiências de pico ou samadhi.

Existem muitas tradições diferentes, baseadas em interpretações diferentes das Upanishads, do Brahmasutra e do Bhagavadgitã, que têm o mesmo foco, mas diferem quanto à visão da investigação teórica do ser (ontologia), a investigação da salvação do homem (soteriologia) e a teoria do conhecimento (epistemiologia). São as seguintes:

Bhedabheda – a posição característica de todas as diferentes escolas Bhedabheda Vedãnta é que o eu individual (jivãtman) é, ao mesmo tempo, diferente e não-diferente da realidade final conhecida como Brahman. Há uma compreensão particular dos significados dos termos diferença e não-diferença.

Há uma inclinação a pensar no Bhedabheda como uma tradição e não como uma escola de Vedãnta.

Dvaitãdvaita ou Svãbhavikabhedabheda (não-dualidade e   dualidade),   fundada por Nimbarka no século VII. A existência, segundo Nimbarka, tem três características: cit, acit e Isvara (alma Suprema, inspiração espiritual etc.), que é independente, e existe por si mesmo, enquanto cit e acit dependem de Isvara. A realidade é Brahman, Krshna ou Hari, um Deus pessoal, é a causa da criação, manutenção e destruição do Universo.

Jiva (cit) – A alma cit ou individual é capaz de obter conhecimento sem a ajuda dos órgãos dos sentidos. Assim, a alma, que é o conhecimento, e seu atributo, o conhecimento, podem ser idênticos, mas também podem ser diferentes. Há uma diferença e uma não diferença entre o dharmin (algo que tem propriedades e é por ela dominado) e o dharma (o dever, a conduta prescrita). Jiva também é o ego (ahamarthah), e tem sua verdadeira forma distorcida e obscurecida devido ao seu contato com o karma resultante da ignorância.

Acit – É de três tipos diferentes: prakrta, aprakrta e kala. Prakrta, ou o que é derivado de prakrti, é a matéria primitiva; aprakrta é definida como aquela que não é produto de prakrti. Nimbarka não explicou o que é exatamente o aprakrta, nem definiu kala.

Prakrti, ou matéria primitiva, é o material de todo o Universo, é real e eterno como as almas individuais.

Acintya Bheda Abheda (unidade inconcebível e diferença), fundada por Caitanya Mahaprabhu (1486 -1534) e propagada por Gaudiva Vainava.

O princípio teológico concilia o mistério de que Deus é simultaneamente igual e diferente de Sua criação. A criação (ou manifestação cósmica) nunca é separada de Deus. Às vezes diretamente, mas na maioria das vezes indiretamente, através de suas diferentes potências ou energias (praktri).

O Jiva, de qualidade semelhante ao Ser Supremo, não compartilha as qualidades em uma extensão infinita; há uma diferença entre as almas e o Ser Supremo.

Advaita (não-dualidade), de Gaudapãda (século V) e Ãdi Sankarãcãrya (século VIII), é uma escola do pensamento monista (pensamento que afirma se basear em um sentido único e original) hindu. Advaita, literalmente, significa “não dois”, não dual; é um sistema filosófico que sustenta a não realidade, ou ilusão, de tudo aquilo que não seja a Consciência Suprema (Brahman). O Vedãnta caracteriza Brahman como realidade (Sat), consciência (Cit) e beatitude (Ãnanda).

Shankara (788-820) expôs suas teorias baseadas nos ensinamentos dos Upanishads e de seu guru Gaudapãda. Através da análise da consciência experimental, ele ensinou que atman (a alma individual) e Brahman (a realidade última), são identificados. O que vemos e o que experimentamos são apenas manifestações dessa eterna unidade.

Os ensinamentos da Vedãnta afirmam que todos os múltiplos aspectos da criação estão unidos em, e através da divindade. O Ser que está dentro de alguém, o atman, é o mesmo Ser que está dentro de outro, não importando se um gato, uma mosca, uma árvore etc.

Maya é o véu que encobre nossa natureza real e a do mundo à nossa volta. É uma forma de ignorância. A nossa percepção é como um espelho deformado, por tempo, espaço e causalidade – a lei da causa e efeito. Ainda é obscurecida com a identificação que temos, de corpo, mente e ego, ao invés de nos identificarmos com o atman e o Ser divino.

Shankara usava o exemplo da corda e da cobra para ilustrar o conceito de maya. Andando por uma rua escura, um homem vê uma cobra; seu coração bate mais forte. Examinando mais de perto, a cobra vem a ser um pedaço de corda enrolada. Uma vez que a ilusão se desfaz, a cobra desaparece para sempre.

Para a Vedãnta, o sofrimento humano não é um problema de Deus, mas do ser vivente. Nada nos acontece pelo capricho de algum agente externo: somos nós mesmos os responsáveis pelo que a vida nos traz; todos estamos colhendo os resultados de ações anteriores, nesta vida ou em vidas passadas. O karma, que significa ação, é também o resultado da ação. Qualquer ação que tenhamos feito, ou qualquer pensamento que tenhamos tido, criaram uma impressão (samskaras), tanto em nossas mentes quanto no universo.

Quando uma pessoa morre, somente o corpo físico morre. A mente, que contém as impressões, continua. Os samskaras podem manifestar-se na nova vida que renasceu.

Esse processo não continua eternamente. Quando atingimos a autorrealização, a lei do karma é transcendida, o Ser abandona sua identificação com o corpo e mente e reconquista sua liberdade, perfeição e bem-aventurança originais.

A unidade é a lei do universo. O atman, meu verdadeiro Ser, é o mesmo Espírito que habita em todos.

Visistadvaita (não-dualidade), representada por Nãthamuni, Yãmuna e Rãmanuia (1017-1137).

Literalmente Visistadvaita significa o fim dos Vedas. É uma escola não dualista de filosofia Vedãnta, no qual apenas Brahman é visto como a Realidade Suprema, mas é caracterizado pela multiplicidade. Rãmanuia, principal proponente da filosofia Visistadvaita afirma que os Prasthanatrayi (os três cursos), ou seja, os Upanishads, o Bhagavad Gitã, e os Brahma Sutras, devem ser interpretados de uma forma que mostre essa unidade na diversidade.

Existem três princípios-chave de Visistadvaita:

Tattva: o conhecimento das três entidades reais, ou seja, Jiva (almas vivas); Ajiva (o não-orientador) e Ishara (Vishnu-Narayana ou Parahbrahman, Supremo-eu e a causa de todas as manifestações, e doador de graça baseado no karma).

Hita: os meios de realização, através de bhakti (devoção) e prapatti (autorrendição).

Purushartha: o objetivo a ser alcançado, como moksha ou libertação.

Pramana refere-se ao conhecimento correto; em Visistadvaita, apenas três pramanas são aceitos como meios de conhecimento válidos:

Pratyaksa – o conhecimento adquirido por meio da percepção, com base na percepção sensorial. Também incluirá o conhecimento obtido por meio da observação através de instrumentos científicos, uma vez que são uma extensão da percepção.

Anumana – o conhecimento adquirido por meio de inferência, que refere-se ao conhecimento obtido pelo raciocínio e análise dedutivos.

Shabda – o conhecimento adquirido por meio de shruti, que refere-se ao conhecimento adquirido das escrituras – principalmente os Upanishads, os Brahma Sutras e o Bhagavad Gitã.

Existem três regras de hierarquia quando há um aparente conflito entre os modos de aquisição de conhecimento:

Shabda ou shruti, Pramana ocupa a posição mais alta em assuntos que não podem ser resolvidos ou resolvidos por pratyaksa (percepção) ou por anumana (inferência).

Anumana, quando uma questão não pode ser resolvida apenas pela percepção sensorial, ela é resolvida com base na inferência, ou seja, qualquer que seja o argumento mais lógico.

Quando a pratyaksa produz uma posição definitiva sobre uma questão particular, tal percepção não pode ser ignorada interpretando shabda de uma forma que viole essa percepção.

A ontologia em Visistadvaita consiste em explicar a relação entre Ishvara (Parabrahman), os seres sencientes (chit-brahman) e o universo insentiente (achit-brahman).

Ishvara é o Espírito Cósmico e Supremo, que mantém controle completo sobre o Universo e todos os seres sencientes. A tríade de Ishvara junto com o universo e os seres sencientes é Brahman (a completude da existência), é Parabrahman, dotado de inúmeras qualidades auspiciosas (Kalyana Gunas), e perfeita, onisciente, onipresente, imutável etc.

Chit é o mundo dos seres sencientes, ou de entidades que possuem consciência. Os seres sencientes são chamados Jivas e são possuidores da consciência individual como denotado por eu. Todas as entidades que estão cientes de sua própria existência individual são denotadas como chit.

Achir é o mundo de entidades insentientes, ou o Universo não consciente.

Brahman é a descrição de Ishvara quando compreendido em plenitude, ou seja, uma visão simultânea de Ishvara com todos os seus modos e atributos.

O kãrana (causa) e kãrya (efeito) em Visistadvaita é diferente de outros sistemas da filosofia indiana. Brahman é tanto o kãrana (causa) quanto o kãrya (efeito).

Segundo Vishistadvaita, o Universo e os sencientes começam de um estado sutil e passam por uma transformação. O estado sutil é chamado de estado causal, enquanto o estado transformado é chamado de estado de efeito. O estado causal é quando Brahman não é distinguível internamente pelo nome e pela forma.

Almas e matéria são apenas o corpo de Brahman. A criação é um verdadeiro ato de Brahman. É a expansão da inteligência. Os devotos acreditam na libertação através de karmas (ações), o sistema Varna (casta ou classe) e os quatro Ashramas (estágios da vida), juntamente com a devoção a Vishnu. Almas individuais mantêm suas identidades separadas mesmo após moksha.

O propósito ou objetivo da existência humana é chamado purushartha. De acordo com os Vedas, há quatro objetivos: artha (riqueza), kama (prazer), dharma (justiça) e moksha (liberdade permanente da escravidão mundana). Conforme essa filosofia, os três primeiros objetivos não são um fim por si só, mas precisam ser perseguidos com o ideal de alcançar moksha. Moksha significa libertação ou libertação do samsãra, o ciclo de renascimento.

Bhatki é o único meio de libertação em Visistadvaita.

A Realidade Suprema Absoluta, referida como Brahman, é uma personalidade transcendente. Ele é Narayana, também conhecido como Lorde Vishnu.

Em termos de teologia, tanto a Deusa Suprema Lakshmi quanto o Deus Supremo Narayana, constituem Brahman. Lakshmi é a personificação feminina, e Narayana é a personificação masculina de Brahman, mas ambos são inseparáveis.

Dvaita (dualidade), fundada por Madhavãcãrya (1199–1278). É uma sub-escola na tradição Vedãnta, que acredita que Vishnu é alma suprema, e as almas individuais (jivãtman) são distintas. Vishnu (Narayana) é independente, enquanto as almas individuais dependem dele. A escola contrasta com as outras duas grandes sub-escolas, a Advaita Vedanta, que afirma que a realidade final, Brahman, e a alma humana, atman, são idênticas, e que toda a realidade é a singularidade; e a Vishistadvaita, que afirma que a realidade final, Brahman, e a alma humana, são diferentes, mas com potencial para serem idênticas.

Dvaita em sânscrito significa “dualidade, dualismo”. O termo refere-se a qualquer premissa na teologia, sobre o material e o divino, onde dois princípios (verdades) ou realidades, são postulados a existir simultaneamente e independentemente.

Portanto, é uma interpretação dualista dos Vedas, teorizando a existência de duas realidades separadas. A primeira, única e independente é a de que Vishnu é Brahman. Vishnu é semelhante ao Deus monoteísta em outras religiões. A segunda realidade é a do universo dependente, mas igualmente real, que existe com sua própria essência separada. Tudo o que é composto da segunda realidade, como alma individual, matéria, e afins, existem com sua própria realidade separada. O fator distintivo dessa filosofia, ao contrário   da monística Advaita Vedanta, é que Deus assume um papel pessoal, e é visto como uma verdadeira entidade eterna, que governa e controla o Universo.

Dvaita Vedãnta reconhece que as almas individuais são retratadas como reflexões, imagens ou sombras do divino, mas nunca de forma idêntica ao divino. Moksha (libertação) é, portanto, descrito como a percepção de que toda a realidade finita é essencialmente dependente do Supremo. Acredita-se que Deus tenha mostrado o caminho para alcançar moksha através de vários avatares.

Suddhadvaita (não dualista), fundada por Vallabha (1479–1531). É o “puro não dualismo”, focado na adoração de Krshna.

Na antiga tradição védica, o tema central era vivenciar a Entidade Suprema ou Brahman. Os Vedas contêm principalmente referências à natureza advaita (não dual) de Brahman. No entanto, dependendo de como um estudioso percebe   os   versos,   pode   entender   o aspecto dvaita (dual). Essa ambiguidade levou a várias tradições filosóficas na Índia.

A escola do monismo em essência, ou do não dualismo purificado de Vallabha, vê a igualdade na essência do eu individual com Brahman. Não há diferença entre os dois. Vallabha não negou Brahman como o todo, e o indivíduo como parte. O indivíduo não é o Supremo, mas tem um atributo de Brahman. Ao contrário de advaita, Maya é um poder de Ishvara. Ele não é apenas o criador do Universo, mas é o próprio Universo. Vallabha citou que Brahman desejava se tornar muitos e se tornou a multidão de almas individuais e do mundo.

O objetivo mais alto não é mutki, ou a libertação, mas sim o serviço eterno a Krshna.

Atualmente os seguidores de Shuddadvaita estão concentrados nos estados de Rajastão e Gujarat.

O desenvolvimento contemporâneo do Vedãnta inclui o Neo-Vedãnta e o crescimento do Sampradãya de Swãminarayaṇ, no Gujarat. Todas essas escolas, com exceção do Advaita Vedãnta e do Neo-Vedãnta, enfatizam a devoção a Viṣhṇu, frequentemente na forma de Krshna.

O Vedãnta não se restringe a um único texto ou fonte. A meta é o autoconhecimento, um estado de realização ou de consciência cósmica. Tem sido compreendido como transcendência, e não como um conceito que pode ser compreendido apenas pelo intelecto (é um ensinamento metafísico).

O Vedãnta representa o Eu como o supremo regente de todas as atividades fenomênicas, e como uma testemunha indiferente a tudo o que ocorre. Esse Eu participa das ações, contudo não se envolve diretamente nos processos e em suas consequências, sendo ele uma perfeita correspondência do ser supremo. Desse Ser Divino surgem todas as transfigurações na esfera do devir.

O Eu é o Ser Universal e reside no indivíduo, sendo também o que lhe fornece vida.

Vaisnava 

A escola Vaisnava teve origem no sul da Índia, entre o começo da era cristã ao século XV, com os arvars, considerados pessoas santas, os quais procuraram o renascimento da cultura dravida. Os escritos dos arvars são considerados o resultado de inspiração divina.

A principal contribuição desta escola foi a Teoria da reencarnação, que defende a ideia de que cada alma passa por uma série de encarnações ou vidas, colhendo os resultados dos atos, como maneira de aprendizagem e evolução cíclica dos veículos de consciência da personalidade (mental, emocional e físico). Os atos praticados por cada ser humano ficam registados nos chamados Registos Akashicos (substância etérea ou pranica – Livro da Vida).

As deusas 

Os Purãnas e os Tantras constituem a fonte mais importante das tradições narrativas sobre a Deusa Suprema e as deusas inferiores. A manifestação mais importante da Deusa Suprema (Deví) é Durgã, deusa guerreira destruidora do búfalo-demônio Mahisa. Essa narrativa mística constitui o núcleo central do culto a Deví e fonte de inspiração de sua representação iconográfica principal, Mahisamardiní, a assassina do búfalo-demônio. O mito possui diversas versões nos Purãnas. A versão no Devimãhãtmya, uma das mais simples: o búfalo-demônio Mahisãsura obteve a dádiva do deus Brahma – ele não poderia ser morto por nenhum ser humano do sexo masculino. Convicto de sua invencibilidade, Mahisãsura conquista o domínio sobre o mundo. Desejoso de conquistar igualmente o domínio sobre os céus, ele envia um ultimato a Indra, o rei dos deuses. Indra ignora, com desprezo o ultimato de Mahisãsura. Como consequência eles travam uma batalha na qual Indra é derrotado. Indra busca, então, refúgio e apoio de Brahma, de Shiva, e finalmente de Vishnu. Dos corpos e das faces enfurecidas das divindades, emana uma massa energética que toma a forma de uma bela mulher.

Surge, assim, a Deví. As divindades oferecem-lhe réplicas de suas armas e solicitam que ela enfrente e derrote o demônio Mahisãsura. Além disso, ela recebe do deus da montanha, Himavat, a montaria de um leão, e de Kubera, deus da prosperidade, um cálice de vinho. Deví solta uma gargalhada e Mahisãura envia tropas para descobrir o que estava acontecendo. As tropas retornam e narram para Mahisãura as qualidades observadas da Deusa: sua beleza física e seus atributos nos quesitos amor, heroísmo, alegria e encanto. Mahisãura resolve pedi-la em casamento e Deví recusa o convite. Mahisãura fica confuso com o comportamento de Deví, e decide atacar a Deusa enviando suas tropas. Ela os rechaça e, finalmente, os aniquila. Mahisãura decide, então, assumir a forma de um jovem garboso e ir de encontro a Deví. Ele pede a sua mão em casamento, mas ela recusa veementemente sob o argumento de que sua missão é a proteção dos justos e que, portanto, ele tem duas opções: ir de imediato para o inferno, ou enfrentá-la em batalha. Assumindo a forma de diversos animais, Mahisãura lança diversos ataques contra a Deusa, porém ela consegue atingi-lo, perfurar seu peito com o tridente e decapitá-lo com o disco. Os demônios sobreviventes buscam refúgio nos infernos, enquanto Deví é glorificada pelos deuses.

Deví e Durgã são denominações intercambiáveis. Assim como Shiva ela envolve paradoxos e ambiguidades: é simultaneamente erótica e desapegada; gananciosa e heroica; bela e terrível. Há inúmeras deusas locais como a Deusa Suprema.

O culto a Kãli, a ira personificada de Durgã, assombra os crematórios ritualmente poluidores e atrai castas de intocáveis e tribais. Uma mesma deusa pode ter duas formas distintas: uma forma icônica e pacífica e uma forma não icônica e furiosa fora do santuário que, provavelmente, manifesta-se apenas por ocasião de certos festivais.

Existe uma distinção entre divindades furiosas e divindades pacíficas. As furiosas estão associadas à paixão, às doenças febris (como é o caso da catapora) que demandam a redução da temperatura, à poluição ritual e às camadas sociais inferiores. As divindades pacíficas estão associadas ao desprendimento, ao apaziguamento da paixão, à pureza ritual e às camadas sociais superiores. A Deusa partilha de ambas as categorias. Ela pode ser tanto furiosa e terrível e exigir oferendas de sangue e álcool, quanto pacífica e benevolente e aceitar apenas oferendas vegetarianas.

Não há evidências de cultos à Deusa Suprema, elas possuem uma posição subalterna. As principais deusas da religião védica são: Prthiví (a Mãe da Terra, segunda mulher de Vishnu), Aditi, Usas (Alvorada), Nirrti (Destruição), Vãc (Palavra), e Sarasvatí (deusa do conhecimento e da música, consorte de Brahma).

O ritual erótico tântrico é o veículo que permite aos devotos alcançar níveis de consciência superiores (samãdhi).

A maioria dos hindus na Índia vive em aldeias, e os devotos da Deusa, em suas esferas locais e regionais, expressam sua devoção através de cultos externos às deusas locais e de peregrinações a lugares sagrados para a Deusa.

É possível enquadrar as deusas locais em termos das dicotomias, como cultura popular versus cultura bramânica, castas inferiores versus castas superiores, caráter regional versus caráter pan-hindu, pequenas tradições versus grandes tradições e, até mesmo, tradições dravídicas versus tradições arianas.

O hinduísmo não pode ser entendido sem a Deusa. Ela está presente em todos os seus níveis, desde as divindades pan-hindus das castas superiores, como é o caso de Durgã, ou as consortes dos deuses, como é o caso de Laksmí. Se de um lado existe uma pluralidade de deusas, cada uma afiliada a um território específico, de outro lado existem essencialmente dois tipos de representações da Deusa: uma forma terrível como é o caso de Kãlí, e uma forma benevolente como é o caso de Laksmí.

As festividades, peregrinações e os lugares sagrados

O festival das luzes é realizado no mês de Asvina (setembro/ outubro – asvina deriva da palavra asva, cavalo), comemorado em todo o universo hindu com lamparinas colocadas nas janelas e nas portas ou colocadas em recipientes que flutuam nos rios.

Os hindus fazem a peregrinação, ou viagem a um lugar sagrado, que consideram um lugar onde o divino se encontra e se conecta com o universo humano, onde o transcendente visita a Terra, onde os reinos superiores se encontram com os inferiores, onde o sagrado se encontra com o profano. São sete cidades como objeto privilegiado de peregrinação: Ayodhya, Mathura, Hardwar, Varanasi, Ujjain, Dwarka e Kanchipuram. O rio Ganges, que tem sua origem nos Himalaias e que desagua no mar do Bengala ocidental, também é sagrado.

Varanasi é a cidade mais importante para os hindus. É conhecida pelos degraus que levam ao Ganges, ao longo dos quais os peregrinos realizam suas abluções e os mortos são cremados. É o ponto de encontro de todos os deuses, considerado o centro do cosmos.

Os cultos e rituais 

As tradições hindus possuem várias formas de culto. O ritual é realizado nos espaços domésticos, nos templos, nas imediações de santuários, em lugares de peregrinação tais como a confluência de rios. São realizados para comemorar ocasiões especiais, para pedir bençãos ou propiciar os deuses.

Embora o comportamento ritual seja extremamente diverso, é algo codificado em manuais e padrões bem determinados que são transmitidos de geração em geração, de mestre a discípulo, e que dá forma e relativa unidade às tradições hindus.

Junto com os rituais encontram-se os mitos, as tradições narrativas da Índia, cuja função é, também, de atribuição coerente de sentido de identidade e pertencimento aos devotos.

O ritual transcende, também, diferenças de caráter teológico, já que antecede a teologia, tanto histórica quanto conceitualmente. Pluralidades de variantes teológicas na Índia assentam sobre uma mesma base ritual e só derivam sentido no interior dessas mesmas tradições rituais.