Meditar

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Vamos refletir sobre a meditação, sua origem e a realidade atual no ocidente.

Meditar surgiu de duas grandes religiões mundiais, há aproximadamente 4 milênios, no século II a.C., com o hinduísmo e o budismo.

Ambas começaram na Índia. O hinduísmo através dos livros sagrados, os Vedas, é uma religião politeísta (existem centenas de deuses nessa crença), inicialmente comandada por uma casta de brâmanes (chefes de família, sacerdotes). No hinduísmo o ser (nós) é pleno.

O budismo, embora também tenha surgido na Índia, com Sidarta Gautama, migrou e cresceu principalmente nos países asiáticos. Foi expulso da Índia por defender que todos, e não somente as castas privilegiadas indianas, poderiam renascer (reencarnar), o que contrariou interesses. Os intocáveis, a casta impura (o serviçal), por exemplo, no bramanismo, não reencarnava.

Na Índia, o primeiro texto iogue foi escrito por Pantajali, em aproximadamente 100 a.C., o Yoga Sutra, que sistematizou a prática iogue – um sistema de meditação prática, ética e metafísica. Os escritos, possivelmente em algum dialeto indiano, foram posteriormente traduzidos para o sânscrito. Apenas muito recentemente foram traduzidos para línguas europeias, provavelmente o francês ou o inglês, e muito depois para o português (por volta de 1900). Obviamente que essas traduções, de uma linguagem para outra, tiveram muitos conceitos e ideias modificadas.

Na religião, a meditação tem um componente mágico; exige uma comunidade, doutrinas e escrituras, e rituais. A ioga consistia em técnicas e disciplina de asceticismo e meditação que conduziam a uma experiência espiritual e a um entendimento sobre a natureza da existência.

Pantajali definiu a ioga como uma cessação das oscilações mentais, uma relação entre puruska (a consciência) e prakrti (a matéria).

Existem, hoje, três linhas de investigação da meditação: a terapêutica, a exegética (a da teologia) e a sociológica.

Imagine a prática meditativa, associada à religiosidade, praticada por ascetas, nas florestas, impregnada de valores morais, de 4.000 anos atrás, e a meditação que conhecemos hoje, praticada no ocidente. Foi ressignificada. Ela deixa de ser transcendente e se torna imanente.

A meditação entra no ocidente por uma via de contracultura, em Woodstock, nos Estados Unidos, no ano de 1969, quando é criado o movimento New Age (Nova Era).

Portanto, entra com a sua narrativa e um novo significado. Ela vem no sentido de permitir um mergulho no que se acha que se é – o verdadeiro eu.

Ela chega com técnicas muito diferentes, como já foi dito, de sua origem, que estava atrelada a conceitos religiosos, éticos e morais. Ela chega como técnicas para cura.

Há uma forte associação entre o meditar e o propósito de evitar o estresse, considerado extremamente pernicioso para o ser humano no contexto do mundo moderno.

O estresse diminui a capacidade de concentração, aumenta a ansiedade, elabora pensamentos negativos, estabelece o mau humor, projeta um estado constante de preocupação, causa irritabilidade, incapacita o relaxamento, traz problemas para o sono etc.

Há que se fazer uma consideração aqui: o estresse é saudável e necessário. O estado de atenção que possuímos se deve a esse estresse necessário. Outra questão é o conceito narrativo do que é estresse: ele é diferente para um pai de santo de um terreiro no subúrbio do Rio de Janeiro, por exemplo, e o de um monge enclausurado em um mosteiro afastado, na floresta.

A meditação, portanto, traz a ideia de cura e é validada pela ciência. Cientistas de várias escolas americanas como Jon Kabat-Zinn, da Universidade de Massachusetts, Sara Lazar, Andrew Neuberg, psicanalistas como Stanislav Groff, entre outros, validaram cientificamente a meditação (o ato de meditar).

Há a afirmativa de que a prática altera a estrutura do cérebro, ou seja, quando se medita, o cérebro muda, sobre isso, existem evidências.

Por exemplo, há um aumento da quantidade de matéria cinzenta o que aumenta a recepção e processamento de informação; o córtex frontal sofre mudanças, o que interfere na tomada de decisões; o hipocampo também é alterado, o que promove o aumento da aprendizagem, a cognição, a memória e a regulação da emoção.

Os cientistas mapearam os cérebros de meditadores para entender o que acontecia com os impulsos elétricos durante a atividade e concluíram que, durante a prática, há uma produção anormal de ondas gama, que são oscilações eletromagnéticas que surgem quando neurônios trabalham em sintonia. Os pesquisadores acreditam que essas ondas estão ligadas à percepção de consciência, atenção, aprendizado e memória. Há também uma agitação no lobo frontal esquerdo, conferindo um estado de felicidade, ocorrendo mudanças de hábito espontâneas naqueles que meditaram por mais de oito semanas. Neuroimagens demonstraram um aumento de massa cinzenta nas regiões corticais, relacionadas à atenção e ao raciocínio. Outras áreas como a ínsula (o núcleo das emoções no cérebro) e o hipocampo, responsável pela memória e por depressão, por exemplo, também sofreram modificações.

O lobo parietal, que processa informação sensorial, de espaço e tempo, diminui a atividade, assim como o tálamo, responsável por fixar a atividade sensorial no cérebro.

O estresse, fisiologicamente, tem relação com as glândulas endócrinas e alguns dos hormônios por elas secretados. O hipotálamo, no cérebro, tem a função de manter o equilíbrio das funções internas corporais em ajustamento ao ambiente, principalmente por meio da coordenação entre o sistema nervoso e o sistema endócrino.

A glândula hipófise tem a função de regular o trabalho das glândulas suprarrenal, que libera entre outros hormônios, o cortisol e a epinefrina (adrenalina). Quando uma pessoa vive uma situação de estresse (susto, situações de grande emoção etc.), o sistema nervoso estimula a medula adrenal a liberar adrenalina no sangue. Sob a ação desse hormônio, os vasos sanguíneos da pele se contraem e a pessoa fica pálida, com taquicardia, aumenta a pressão arterial, o sangue passa a se concentrar nos músculos e nos órgãos internos, preparando o organismo para uma resposta vigorosa. A pessoa produz também os glicocorticoides que atuam na produção de glicose a partir de proteínas e gorduras. O aumento da quantidade de glicose acontece para ser usada como combustível em casos de resposta a uma situação estressante. O principal glicocorticoide é o cortisol.

Durante a meditação há a ativação da liberação de dopamina (a exemplo dos esportes cíclicos – bicicleta, natação). A dopamina é um mediador químico produzido no cérebro, que tem como função ativar os circuitos de recompensa, principalmente a sensação de bem estar (cachorro de Pavlov). É ativada também a liberação de serotonina, um neurotransmissor que atua no cérebro, estabelecendo comunicação entre as células nervosas. Diminui a ansiedade e a angústia (menos agressividade).

Ocorre também a liberação da betaendorfina, que causa relaxamento e relativa euforia que tem uma potente ação analgésica e estimula a sensação de bem-estar, conforto, estado de humor e alegria. A produção e liberação é pela glândula hipófise.

No ocidente, sugere-se um espaço para meditar (que representa o santuário) e é o momento de acolhimento (religião).

A meditação ganha espaço na sociedade cosmopolita.

A Cabalá, hebraica, também utiliza a meditação e a respiração como âncora, além de mantras.

Isso tudo é verdade? É.

Nossas mentes são inquietas. Sempre em movimento, viajam incessantemente, pulam de memórias passadas para fantasias futuras, em constante conspiração e planejamento, à caça de prazeres e à fuga de temores.

Pensamentos, emoções, imagens e fantasias, todos aparecem na mente, aí permanecem por um instante, e logo desaparecem. A missão da meditação não é reprimi-los, nem mesmo brigar com eles. Apenas observá-los e estudá-los.

As práticas de meditação podem reduzir o estresse, podem ajudar a aliviar a insônia, os espasmos musculares, e doenças da enxaqueca à dor crônica.

É necessário esforço para realizar os exercícios de forma regular, e compromisso para continuá-los em momentos difíceis. E paciência.

Eu fiz essa reflexão para mostrar a natureza primordial teológica, da premissa científica, repaginada no ocidente para o que é a meditação. A meditação de 4.000 anos atrás praticada por ascetas hindus e budistas foi outra, não comparável com a praticada hoje, por nós, no ocidente.