O apocalipse, agora

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O mundo atual tem um interesse velado em manter as pessoas funcionando dentro de seus padrões condicionados de comportamento para que sejam previsíveis, sujeitas a medidas estatísticas. Prega o ideal da igualdade não individualizada porque necessita que cada um seja idêntico ao outro, para fazê-los funcionar em massa, suavemente, sem atrito. Todos obedecendo aos mesmos comandos, embora todos estejam convencidos de que estão seguindo seus próprios desejos. Do mesmo modo que a moderna produção em massa requer a padronização das mercadorias, o processo social também requer a padronização do homem, e sua padronização é chamada de igualdade.

A atual sociedade necessita de pessoas que cooperem sem rebeldia e em grande número; que queiram consumir cada vez mais; e cujos gostos sejam padronizados e possam ser facilmente influenciados e previstos. Ela necessita de homens que se sintam livres e independentes, não sujeitos a nenhuma autoridade, princípio ou consciência, embora desejem ser  comandados, embora queiram fazer o que deles se espera, queiram integrar-se na máquina social sem atritos; de homens que possam ser guiados sem força, conduzidos sem líderes, impelidos sem objetivo explícito, salvo o de fazer o que lhes é exigido, ativar-se, funcionar, ir em frente.

O homem moderno alienou-se de si mesmo, de seus semelhantes e da natureza. Ele foi transformado numa mercadoria, experimenta suas forças vitais como um investimento que precisa lhe proporcionar o maior lucro capaz de ser obtido nas condições de mercado existentes. As relações humanas baseiam-se na segurança de ficar junto do rebanho, e não ser diferente dele em pensamento, sentimentos e atos.

Embora todos procurem ficar o mais junto possível do resto, ainda assim permanecem absolutamente sós, invadidos pelo profundo sentimento de ansiedade e culpa que sempre surge quando o estado de separação humano não pode ser superado. A civilização oferece vários paliativos que ajudam as pessoas a não tomar consciência da sua solidão. O primeiro deles é a estrita rotina do trabalho burocratizado e mecânico, que ajuda as pessoas a permanecerem inconscientes de seus desejos humanos mais fundamentais, do anseio de transcendência e unidade. Se a rotina sozinha não consegue fazê-lo, o homem supera seu desespero inconsciente com a rotina das diversões, o consumo passivo dos sons e imagens oferecidos pela indústria do entretenimento, e com a satisfação de comprar todas as novidades e logo trocá-las por outras. Há uma satisfação de consumir: mercadorias, imagens, comidas, bebidas, cigarros, gente, conferências, livros, filmes, tudo é consumido.

A vida é dedicada à busca do conforto material e do sucesso no mercado das personalidades. Os princípios sobre os quais os esforços são construídos são os da indiferença e do egoísmo (ou individualismo). Os economistas querem que os consumidores se ajustem a um padrão, e sejam manipulados por meio de técnicas mercadológicas. Se os consumidores estão condicionados e se ajustam à teoria matemática do comportamento do consumidor, a economia torna-se previsível e pode ser usada para se ganhar dinheiro sem riscos. A intervenção governamental na economia, pela abordagem keynesiana, mais impostos para os ricos e mais programas governamentais para aumentar o número de empregos e os movimentos econômicos; ou abordagem pelo lado do fornecedor, redução dos impostos dos ricos, que investirão e produzirão atividades que vão escoar até os pobres. Para governantes significa maior arrecadação de impostos e possibilidade de se manterem no poder.

O credo fundamental da democracia é que todas as pessoas são criadas igualmente (pela igualdade potencial), e a suposta justiça exige que elas tenham oportunidades iguais de manifestar seu potencial, o que neste estágio da evolução, traduz-se como oportunidades iguais de processamento de significado. O significado da vida, da liberdade e da busca pela felicidade.

A concorrência e a pressão econômica sobre os veículos de comunicações levaram ao aumento do valor do entretenimento das notícias e os profissionais ligados à mídia começaram a comprometer a verdade para tornar seu produto mais interessante. A contínua chuva de preceitos materialistas na mídia aponta para uma natureza global existencialista. Há uma discussão aberta sobre o estabelecimento de uma supervisão da própria mídia jornalística, como se fosse possível colocar um observador para acompanhar o observador. A tendência a agradar à maior parte do público não é nem objetiva nem ética.

A educação saiu de suas raízes liberais, orientadas para o significado, e rumou para um programa orientado para o trabalho, priorizando a quantidade sobre a qualidade. O princípio materialista (tudo é matéria), todas as características são genéticas, tudo o que se experimenta internamente é produzido pelo cérebro e evolução é sinônimo de darwinismo. Não há nada no eu além de condicionamento genético e psicossocial e a própria consciência é um apêndice operacional sem qualquer poder ou eficácia causal. As crianças estão crescendo diante de computadores e celulares. É comum ver-se dois adolescentes juntos e conversando animadamente, não um com outro, mas em seus celulares. As pessoas estão evitando o encontro com pessoas reais, pessoas com sentimentos.

Hoje morrem mais pessoas que comeram demais do que de menos; e mais pessoas cometem suicídio do que todas as que, somadas, são mortas por soldados, terroristas e criminosos. Em 2014, mais de 2,1 bilhões de pessoas apresentavam excesso de peso em comparação com 850 milhões que sofriam de subnutrição. Prevê-se que metade da humanidade estará com excesso de peso em 2030. No ano 1500, havia cerca de 500 milhões de humanos em todo o mundo. Hoje, há 7 bilhões. Estima-se que o valor total dos bens e serviços produzidos pela humanidade no ano de 1500 era 250 bilhões de dólares. Hoje, o valor de um ano de produção humana é aproximadamente 60 trilhões de dólares.

Em 1500, a humanidade consumia por volta de 13 trilhões de calorias de energia por dia. Hoje, consume 1,5 quatrilhão de calorias por dia. A população humana aumentou 14 vezes; a produção, 240 vezes; e o consumo de energia, 115 vezes. A produção per capita anual em 1500 era, em média, de 550 dólares, enquanto hoje é, em média, de 8,8 mil dólares por ano. Hoje um americano médio usa 228 mil calorias diárias de energia para alimentar não apenas seu estômago, mas também seu carro, seu computador, sua geladeira e sua televisão. Se os 7 bilhões de humanos fossem colocados em uma balança gigante, sua massa combinada seria cerca de 300 milhões de toneladas.

Em 2011, 3,5 milhões de crianças americanas tomaram medicamentos para o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). No Reino Unido, o número elevou de 92 mil crianças em 1997 para 786 mil em 2012. Um bilhão de chineses e um bilhão de indianos querem viver como americanos de classe média e não veem motivo para conter seus sonhos, enquanto os americanos não se mostram dispostos a renunciar a seus veículos, máquinas de lavar roupas e de pratos, secadoras, televisões, computadores, smartphones, e de seus centros comerciais. Isso traz “felicidade”.

Consequentemente o aumento da produção esbarra em questões como a poluição, a emissão de gases na atmosfera e o desequilíbrio ecológico no planeta, que tem recursos limitados. A Terra está se tornando um shopping center de plástico, concreto e asfalto. Provavelmente todos continuarão a comer com pressa diante da televisão, quase sem prestar atenção ao gosto, razão pela qual produtores de alimentos estão sempre inventando novos sabores, os quais talvez sejam capazes de atravessar a cortina de indiferença.

Da mesma forma, quando se sai de férias, pode-se escolher entre um sem-número de destinos maravilhosos. Mas, não importa o lugar a que se vai, as pessoas ficam ligadas nos smartphones em vez de desfrutarem a paisagem dos lugares. Fotografa-se até o que se come para postar nas redes sociais. Dispõe-se de mais opções do que nunca, porém perdeu-se a habilidade de realmente prestar a atenção às escolhas.

A humanidade está perdendo a capacidade de sonhar. O mundo moderno descarta os sonhos, que, no melhor dos casos, seriam mensagens do subconsciente e, no pior, um lixo mental. A reação mais comum da mente humana a uma conquista não é a satisfação, e sim o anseio por mais. Todos estão sempre em busca de algo melhor, maior, mais palatável. Quando estiverem de posse de novos e imensos poderes, o que se fará? Consegue-se mais automóveis, casas, dinheiro, fama, e o que resta é o homem. Os luxos de ontem tornaram-se as necessidades de hoje. As opiniões políticas, as simpatias e antipatias, assim como os hobbies e ambições não refletem mais o eu autêntico. Em vez disso, refletem a educação e o entorno social. Dependem da classe à qual se pertence e são moldados pela vizinhança ou escola.

Parece que tudo o que se chama de realidade física é, em última análise, ordenado de maneira harmônica. Até mesmo quando se acredita estar fazendo escolhas que são independentes de outras, descobre-se que essas escolhas se tornam parte de padrões coletivos que, por sua vez, são parte do mundo-totalidade coerente. O homem está protegido pelas alternativas seguras e limitadas que a sua sociedade lhe oferece e, se não tirar os olhos de seu caminho, poderá levar a vida com certa segurança insípida.

O indivíduo não sente ou percebe que tem alternativas, não consegue imaginar quaisquer opções de vida porque é incapaz de se libertar da rede de obrigações. No entanto essas obrigações já não lhe dão uma sensação de amor próprio, de valor primário, de ser um contribuinte para a vida no mundo, ao cumprir seus deveres cotidianos para com o outro, a comunidade em que vive. Se é rico, é provável que conclua que isso se deve à tomada de decisões sensatas. Se sofre de pobreza, deve ter cometido alguns erros. Se está deprimido, um terapeuta liberal provavelmente vai culpar os seus pais e estabelecer alguns objetivos novos na vida. Se sugerir que se sente deprimido porque está sendo explorado pelo sistema e porque na sociedade prevalente não tem nenhuma probabilidade de realizar os seus objetivos, o terapeuta bem poderá dizer que ele está projetando no sistema social as suas dificuldades internas e que está projetando nos capitalistas questões não resolvidas com a sua mãe.

A visão do mundo como ele é na realidade constitui uma experiência arrasadora e apavorante. Diferentemente de outras religiões que prometem uma torta no céu, o sistema atual promete milagres aqui na Terra.