O esoterismo de Helena Blavatsky – Teosofia

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Para chegar ao livro “A Doutrina Secreta”, Helena Blavatsky ocupou boa parte de sua vida estudando a significação oculta das lendas religiosas e profanas, especialmente as tradições orientais. Ela conversou com diversos historiadores, antropólogos, orientalistas, cabalistas, filólogos, etnólogos, autores e eruditos, e centenas de títulos estudados para comprovar a gene de suas ideias. Segundo Helena, as suas maiores referências foram a Bíblia e o Vishnu-Purãna. Este último trata da cosmologia, da aparição e dissolução de mundos, da genealogia dos deuses, dos períodos regidos pelos manus e da linhagem das dinastias solares e lunares.

O livro aponta inúmeras narrativas alegóricas como indicadoras das alegações de Helena, que afirmou haver “mais sabedoria oculta sob as fábulas esotéricas dos Purãnas e da Bíblia que em toda a ciência e em todos os fatos esotéricos da literatura universal”. A doutrina é a universalidade absoluta da lei da periodicidade, de fluxo e refluxo, de crescimento e decadência, que a ciência física tem registrado em todos os departamentos da natureza (dia e noite, vida e morte, sono e vigília). “O aparecimento e o desaparecimento de mundos são como o fluxo e o refluxo periódico das marés”, escreveu Blavatsky. Há, também, uma identidade fundamental entre as almas e a Alma Suprema. A teosofia não admite a outorga de privilégios nem de dons especiais ao homem, salvo aqueles que forem conquistados com seu esforço e mérito pessoal, concebidos e induzidos em subordinação ao seu carma, no decorrer de uma série de metempsicoses e reencarnações.

Madame Blavatsky, uma das principais autoras do movimento teosófico, citou o Livro de Dzyan como pertencente a um grupo de escritos esotéricos tibetanos, que foram salvaguardados de olhos profanos pelos iniciados de uma fraternidade oculta. Foi a sua grande inspiração no desenvolvimento da obra “A Doutrina Secreta”.

A inspiração para a doutrina, segundo Helena Blavatsky, foram os textos do cânone do budismo tibetano, Gyud-dse, cuja existência foi uma emanação ou diferenciação da Vida Una.

A existência inicia quando “nada existia”. Uma rachadura no Ovo Cósmico e a Vida Una diferencia-se em espírito-matéria e surge o universo (uma necessidade). O fogo divino anima a criação. O universo não é visto como uma criação a partir do nada, mas como um aspecto em si da realidade. A existência se constrói por meio de forças impessoais, sendo a força que anima a existência chamada Fohat. Desenvolveu-se o mineral, o vegetal, o animal e a humanidade. Uma vibração elétrica propagou-se através do espaço sem fim. “O espírito engendrou a força, e a força, a matéria, e assim a divindade latente manifestou-se como uma energia criadora”, escreveu Blavatsky em seu livro “Ísis sem Véu”.

O processo de criação manifestou-se em universos, sistemas solares e mundos, culminando no desenvolvimento da humanidade e do eu-espírito, ou a mônada. O universo e a humanidade se desenvolveram paralelamente. A primeira raça passou a existência em um estado inconsciente, pois a mente não tinha se desenvolvido.

Os pergaminhos de Dzyan (que significa meditação mística) fazem parte da literatura do budismo tibetano, dos textos do Gydud-dse, e contam que há 13 bilhões de anos, antes da existência do universo, existiam seres inteligentes, oníricos, que criaram a si mesmos. Foram se tornando sólidos e criaram o espaço e o tempo. A segunda raça foi a consolidação da primeira, mais material. Tinha a capacidade de autorreplicar-se e, com o tempo, desapareceu. Com a terceira raça surgiu o desejo e a humanidade, antes andrógina, tornou-se bissexual. Na quarta raça surgiu manas, o princípio mental, que continuou a desenvolver-se.

Com o desenvolvimento da mente é possível dar sentido à experiência. Atualmente, segundo a teosofia, o homem é a sub-raça da quinta raça, e a sexta sub-raça aparecerá quando se desenvolver um sexto sentido (ou faculdade). A humanidade passará por mais dois ciclos e então ascenderá espiritualmente.

Os sete globos que formam o ciclo planetário funcionam em diferentes planos, sendo a Terra o mais material deles. O desenvolvimento da humanidade processa-se ao longo de sete estágios em cada globo sucessivo. A vida terrena representa o quarto dos estágios desse percurso e a presente humanidade é a quinta raça a existir no planeta.

 

A Doutrina Secreta

A primeira estância do livro “A Doutrina Secreta” descreve o estado do Uno Todo, a cosmogênese, a noite do universo. A estância dois trata da ideia da diferenciação, sobre os construtores, verdadeiros criadores do universo. A estância três descreve o redespertar do universo para a vida depois do Pralaya, o período do ciclo de existência dos planetas em que não ocorre atividade e que dura, segundo o computo dos brâmanes, 4,32 bilhões de anos. O período de atividade, chamado Manvantara, tem a mesma duração. A estância quarta expõe a diferenciação do “germe” do universo na hierarquia de poderes divinos conscientes, que são as manifestações ativas da Suprema Energia Una.

O capítulo dois aborda a antropogênese. A estância um é sobre os princípios da vida senciente, sobre o espírito da Terra (Lha), a invocação da Terra ao Sol, o que o Sol responde e a transformação da Terra. Na segunda estância, a Terra cria monstros, os criadores se desgostam, secam a Terra, destroem as formas, ocorrem as primeiras grandes marés e o início da deformação da crosta. A terceira estância comenta sobre as tentativas da criação do homem, a descida do demiurgo, os deuses lunares recebem ordem para criar, porém os deuses superiores se recusam. As estâncias quatro, cinco, seis, sete e oito tratam da criação dos homens, a evolução da segunda raça, assexuada, o desenvolvimento de um corpo humano físico e a evolução da terceira raça, além do surgimento do primeiro homem dotado de mente. A estância oitava fala sobre os primeiros animais mamíferos e a primeira queda (pecado) do homem. Na nona estância há o arrependimento dos criadores, os homens são dotados de mente e se tornam bissexuais, desenvolve-se a linguagem. A estância dez é a história da quarta raça (a raça atlante), as sub-raças começam a mesclar-se entre si, caem no pecado e perdem o “terceiro olho”. A estância onze conta sobre a extensão da civilização, o início do antropomorfismo, a destruição de Lemúria (uma terra perdida hipotética) pelo fogo e da Atlântida (lendária ilha ou continente cuja primeira citação remonta a Platão em suas obras Timeu e Crítias) pela água, o dilúvio e sobre a destruição das terceira e quarta raças. A última estância, a doze, discorre sobre a origem da raça atual, a quinta, das primeiras dinastias divinas e dos primeiros instrutores e civilizadores da humanidade.

Em sua terceira parte, o livro trata do estudo da significação oculta das lendas religiosas e profanas, como o simbolismo e a ideografia – a autora está convencida de que nenhum acontecimento das lendas de um povo, em qualquer época, representa simples ficção, mas possui um fundo histórico verdadeiro:

– o mistério e suas chaves – afirma que todas as teologias provieram de uma fonte comum e de uma linguagem esotérica universal que decifrou tanto a Natureza como os mistérios;

– a substância primordial e o pensamento divino – a necessidade da iniciação para poder aprender o verdadeiro pensamento metafísico de todos; a não definição do pensamento divino, e a imposição da lei do carma no progresso de cada raça, no seu respectivo ciclo;

– a divindade oculta, seus símbolos e signos – os sete princípios, os elementos, a manifestação em nosso mundo, a forma Akãsha e a estrutura mais densa;

– o ovo do mundo – o símbolo da origem e o segredo do ser, o desenvolvimento progressivo do germe dentro da casca que produz algo ativo, uma criatura viva e concreta;

– os dias e as noites de Brahma – o período ativo, os tempos inativos do Universo e os tempos de relativo repouso e de repouso completo; a dissolução (pralaya individual ou nirvana); na eternidade nunca há um começo nem um último; o cíclico, como a noite que sucede o dia;

– o lótus – a flor consagrada à natureza e aos seus deuses é o emblema dos poderes criadores da natureza física e espiritual;

– a Lua – a lâmpada da noite, com o seu séquito de estrelas inumeráveis, não fala senão à imaginação do profano;

– o culto à Árvore, à Serpente e ao Crocodilo – a ideia de membros de seitas gnósticas antigas, que se desenvolveram em 100 d.C., como os gnósticos ofitas, que reverenciavam a serpente pelo serviço que prestara à humanidade. Foi ela que ensinou a Adão que, se comesse do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, sublimaria o seu ser pelo conhecimento e pela sabedoria. A ideia do caráter dúplice da serpente (do bem e do mal) veio do primitivismo – a crença se originou da superstição, já que a alma dos antepassados vive na forma do réptil. A árvore era a “Árvore da Vida”, que cresceu invertida: seu tronco cresceu e desenvolveu-se, atravessando a região central do eixo do caule e da raiz, composta pelos tecidos vasculares primários, projetou os seus ramos até chegarem ao plano terrestre (as raízes representam o Ser Supremo);

Demon est Deus inversus – O demônio é o avesso de Deus – o poder oposto, a sombra que faz ressaltar a luz, a homogeneidade divina deve guardar em si mesma as essências do bem e do mal;

– a Teogonia dos deuses criadores;

– as Sete Criações – segundo a doutrina esotérica há sete criações primárias e sete secundárias. As primeiras são as forças que evoluíram por si mesmas, procedentes da força Una  sem causa; a criação da Alma Universal, a criação de todo o princípio divino, a evolução orgânica, a criação das coisas perceptíveis, a criação dos animais, das divindades e a criação do homem;

– os Quatro Elementos não passam do véu da vestimenta da divindade e são o fogo, o ar, a água e a terra, que são os elementos visíveis, e o espírito, o elemento invisível.

– sobre Kwan-Shi e Kwan-Yin, que são os dois aspectos, masculino e feminino, do mesmo princípio, no Cosmos, na Natureza e no Homem, da sabedoria e da inteligência divinas.

– o Mito do Anjo Caído – diz que os teólogos construíram o seu Deus e os seus arcanjos, o seu satã e os seus anjos, aproveitando-se da ignorância. Primeiro o Deus da Sabedoria, considerado o criador de tudo o que existe, em um Anjo do Mal? Não é possível comparar-se os demônios pagãos do Egito, da Índia ou da Caldeia ao diabo do cristianismo. O espírito maligno somente vive no homem, enquanto o benigno vive em toda a matéria existente. Portanto, não havia demônios antes do homem aparecer na Terra. Os Elohim hebreus, a que se deu o nome de Deus, são idênticos aos asuras arianos. Os primeiros zoroastrianos não acreditavam que o mal fosse coeterno com o bem, ou a luz, e davam a eles a mesma interpretação. O alemão George Hegel disse que a origem do último dogma foi verdadeiramente satânica em sua fria e cruel maldade. Como se pode afirmar que a queda dos espíritos desobedientes significava simplesmente a sua queda na geração e na matéria? Deus é agregado daquela legião, antes divina, que é acusada de haver caído.

Enoïchion-Henoch – o livro secreto e livro dos videntes. Enoque é um apócrifo. E o que é um apócrifo senão o que pertencia ao catálogo das bibliotecas dos templos, sob a guarda dos hierofantes e dos sacerdotes iniciados, ao qual os profanos não tinham acesso? Enoïchion, como chamavam os gregos, foi o escritor a partir do qual os cristãos colheram as primeiras noções de anjos caídos. Enoque era um nome genérico que se dava a dezenas de indivíduos. Os seguidores e estudiosos do Talmude judeu diziam que era um grande santo. Afirmam outros que era um feiticeiro, um mago perverso, o que supostamente comprova o termo vidente. Enoque desapareceu: “foi-se com Deus e não mais existiu, porque Deus o levou” é uma alegoria que se refere ao desaparecimento, entre os homens, do conhecimento sagrado e secreto. O livro de Enoque é o símbolo da natureza dual, espiritual e física do homem.

– A cruz e o círculo – “Deus enim et circulus est” (E certamente a Divindade é circular) – a ideia de representar a divindade oculta pela circunferência de um círculo e o Poder Criador pelo diâmetro que o cruza é um dos símbolos mais antigos.

“A Doutrina Secreta”, para os teosóficos, é tida como a sabedoria acumulada ao longo das eras, e só a sua cosmogonia já é complexa e estupenda. São registros que abarcam milhares de gerações de videntes, que atestaram os ensinamentos das primeiras raças à outra. O Princípio da Substância Única torna uma ilusão a substância no plano do Universo manifestado, porém permanece, no espaço, um Princípio abstrato, visível e invisível, sem começo e sem fim. O Universo é a manifestação dessa Essência Absoluta. No Universo tudo é transitório e real para os seres que nele habitam, e tudo é consciente. O homem é uma cópia em miniatura do macrocosmo. Toda a ordem da natureza demonstra uma marcha gradual em direção a uma vida superior.

A teosofia rejeita os ídolos (a idolatria), porém admite um Criador coletivo no Universo (um Arquiteto que jamais tocou em qualquer das pedras que o compõem, pois deixou aos pedreiros o trabalho manual – o demiurgo). Tem caráter duplo, o da energia bruta irracional, inerente à matéria, e o da alma inteligente, que dirige e orienta essa energia.

A matéria contida na doutrina pode ser encontrada esparsa nos milhares de volumes que encerram as Escrituras das grandes religiões asiáticas (obras sânscritas, chinesas, mongólicas) e de das primitivas religiões europeias, que, até agora, passaram desapercebidos.

Estabelece três princípios fundamentais: 1 – um princípio onipresente, eterno, sem limites e imutável, sobre a qual toda a especulação é impossível, porque transcende o poder da concepção humana e porque toda a comparação da mente humana não poderia senão diminuí-lo. Portanto, há uma Realidade Absoluta, anterior a tudo que é manifestado; 2 – a eternidade do Universo – “cenário de Universos inumeráveis manifestando-se e desaparecendo incessantemente” – “o aparecimento e o desaparecimento de Mundos são como o fluxo e o refluxo periódico das marés” (lei da periodicidade) – crescimento e decadência, vida e morte, sono e vigília – fatos comuns e universais; 3 – a identidade entre todas as almas e a Alma Suprema Universal, através do ciclo da encarnação (ou necessidade), de acordo com a lei cíclica e cármica – primeiro por impulso natural e depois à custa de esforços em subordinação ao seu carma, passando todos os graus, desde o inferior até o superior.

A incompreensível Divindade, cujas “invisíveis vestes” são a raiz mística de toda a matéria no Universo. A matéria, desde o princípio, emanou da Divindade, até então inativa. O primeiro movimento foi comunicado a todo o universo.

O tempo é apenas uma ilusão ocasionada pela sucessão de estados de consciência à medida que se viaja através da vida, e que deixa de existir quando não há consciência que tal ilusão possa reproduzir-se. Nada há sobre a Terra que tenha duração real, pois nada permanece imutável ou igual durante um bilionésimo de segundo que seja. A sensação que se tem da realidade dessa divisão do tempo conhecida como presente provém da atenuação da impressão momentânea ou das impressões sucessivas que as coisas transmitem aos sentidos, à medida que passam da região do ideal, que é chamado futuro, à região da memória, que se denomina passado.

Mente é o nome que se dá à totalidade dos estados de consciência agrupados, como pensamento, vontade e sentimento. Durante o sono profundo, cessa o trabalho da ideação no plano físico e a memória é suspensa: assim, a mente não existe porque o órgão por meio do qual o ego manifesta a ideação e a memória no plano material cessa temporariamente de funcionar.

Mãya, ou ilusão, é um elemento que participa de todas as coisas finitas, pois tudo que existe tem apenas uma realidade relativa e não absoluta.

O aparecimento e o desaparecimento do Universo são descritos como expiração e inspiração do “Grande Sopro” (a Existência Una).

As causas da existência são o desejo de existir. Esse desejo de uma vida senciente manifesta-se em todas as coisas e é um reflexo do Pensamento Divino impelido à existência objetiva por uma lei que dita ao Universo que exista.

Alaya” é a “Alma do Mundo” (Anima Mundi).

Tudo o que vive é consciente, mas não que toda a vida e consciência sejam semelhantes às vidas e consciências dos seres humanos ou mesmo dos animais. O homem considera a vida com a “forma Una de existência” revelando-se no que se chama de matéria, que é o veículo para a manifestação da alma neste plano de existência. A alma é o veículo para a manifestação do espírito em um plano mais elevado e os três formam a Vida, que os interpenetra a todos.

O Vishnu Purãna é apresentado na forma de um diálogo entre Parasara e seu discípulo Maitrea, e é dividido em seis livros. A predição de alguns pecados e das influências sombrias do Kali Yuga – a idade de Kali, ou idade do vício, aparece nas escrituras hindus como a última das quatro etapas que o mundo atravessa.

A seguir, um trecho do livro 4, capítulo 24, tradução de Horace Hayman Wilson (orientalista inglês, 1786-1860).

“A riqueza e a piedade diminuirão dia a dia até que o mundo se depravará por completo. A classe será conferida unicamente pelos haveres; a riqueza será a única fonte de devoção; a paixão, o único laço de união entre os sexos; a falsidade, o único fator de êxito nos litígios; e as mulheres serão usadas como objeto de satisfação puramente sensual. (…) Assim, na idade de Kali, a decadência prosseguirá sem detença, até que a raça humana se aproxime de seu aniquilamento (pralaya) (…). Quando o fim da era Kali (Avatar), dotado das oito faculdades sobre-humanas. Ele restabelecerá a justiça sobre a Terra, e as mentes dos que viverem no fim da Kali Yuga serão despertadas e se tornarão tão diáfanas como o cristal. Os homens assim transformados (…) serão como sementes de seres humanos e darão origem a uma raça que seguirá as leis da idade Krita, a idade da pureza.”

 

Trecho de A Doutrina Secreta (2008, 18ª edição).

“O aparecimento e o desaparecimento do Universo são descritos como expiração e inspiração do Grande Sopro, que é eterno e que, sendo Movimento, é um dos três aspectos do Absoluto; os outros dois são o Espaço Abstrato e a Duração. Quando o Grande Sopro expira é chamado o Sopro Divino e considerado como a respiração da Divindade Incognoscível – A Existência Una –, emitindo esta, por assim dizer, um pensamento, que vem a ser o Cosmos. De igual modo, quando o Sopro Divino é inspirado, o Universo desaparece no seio da Grande Mãe, que então dorme ‘envolta em suas Sempre Invisíveis Vestes.'”