O Sutra de Lótus

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Sutra é um ensinamento em forma de texto, originário das tradições espirituais da Índia. Literalmente significa corda ou fio e, metaforicamente, refere-se a um aforismo ou a uma coleção de aforismos reunidos ou, ainda, um ensinamento mais longo, em prosa.

Originalmente não se sabe quando e em que língua foi escrito, possivelmente num dialeto da Índia, e depois traduzido para o sânscrito. Foi traduzido para o chinês por várias pessoas – são conhecidas seis traduções –, uma delas no ano 406 d.C., por Kumãrajiva. No Ocidente, a primeira tradução foi para o francês, feita por Eugène Burnouf em 1852.

O Sutra de Lótus tem 28 capítulos, e é formado por ensinamentos do Buda Gautama. É transmitido em um texto escrito, em versos, por meio de parábolas, alegorias, metáforas e descrições de visões sobrenaturais e discussões metafísicas. Os versos dos sutras eram utilizados antigamente para facilitar a memorização dos ensinamentos pelos seguidores. É provável que a parte em prosa tenha sido acrescida posteriormente para tornar o texto uma narrativa contínua, originando sua forma final.

Dois temas se revelam no Sutra: a realidade da natureza intrínseca que prevalece em todos os seres humanos (os 14 primeiros capítulos) e atingir a iluminação consiste em despertar a natureza búdica em si. O outro tema (os 14 capítulos seguintes) aborda a eternidade do Buda. O Buda histórico, Gautama, foi apenas uma forma temporária do Buda primitivo que atingiu a iluminação em um tempo passado e vive na eternidade, livre do nascimento e morte.

O nome do Sutra de Lótus é Myou hou ren ge kyou, e significa “o ensino superior mais elevado como a flor do lótus branco”.

Na primeira parte do Lótus, do capítulo um, “Introdução, ao décimo, “O Mestre da Lei, o Buda fala no Monte Gridrakuta (Pico da Águia), próximo a cidade de Rajagriha (Ragjir), Bihar, região nordeste da Índia. Na segunda, do capítulo dez, “O Aparecimento da Torre do Tesouro, até o vigésimo segundo, “Transmissão, fala sobre a vacuidade (o sermão no mundo dos Budas puros). Do vigésimo terceiro, “O Incentivo do boddhisattva Universalmente Meritório”, até o último, vigésimo oitavo, relata a descida do Buda do Monte Gridhrakuta.

O Sutra é entoado por um longo tempo. Buda faz os sermões e os discípulos que o escutam voltam-se a ele, repetindo a entoação, confirmando se entenderam corretamente. As entoações do Sutra ensinam através de metáforas (hokkeshichiyu) e de interpretações feitas pelo Buda.

Do primeiro ao décimo capítulo, vê-se, na “Introdução” a explicação da entoação de Buda, no Pico das Águias, quando o acompanharam dez discípulos próximos, dezoito bodhisattvas, deuses, protetores dos deuses, homens e mulheres religiosos. Ocorrem tremores da terra, uma chuva de flores e um raio é disparado sobre a sobrancelha de Shakyamuni, o Buda. Dois bodhisattvas conversam: Maitreya, é o que faz perguntas, e Manjushri o que responde. Relembram que num passado longínquo um fenômeno parecido havia acontecido.

No capítulo dois, “Meios Hábeis”, o ensinamento de Shakyamuni é entoado. Buda conta ao discípulo Shariputra que muitos Budas que alcançaram a iluminação passaram por um longo treinamento. Para explicar o mundo da iluminação, são utilizadas metáforas e histórias do passado. Esses ensinamentos somente podem ser passados de Budas para Budas, e, portanto, Buda explica não poder ensiná-los. Shakyamuni promete tornar os discípulos em Budas no futuro. O conteúdo da Lei revelada por Shakyamuni, significa a existência de fenômenos, e os dez tópicos que são a aparência, o caráter, a forma, a habilidade, os mecanismos de trabalho, os fatores passados, as relações, o resultado e o futuro, e a existência de todos os fenômenos juntos. No começo Shakyamuni se recusa a ensinar Shariputra, já que eles eram diferentes dos ensinamentos de outros Budas, mas cede aos apelos do discípulo e lhe ensina. Muitos dos presentes decidem deixar o local por não quererem ouvir ao Buda. O primeiro ensinamento do Sutra é o de ouvir o outro com humildade. Shakyamuni esclarece aos que ficaram a razão pela qual veio ao mundo.

Do terceiro, “Metáforas”, ao nono capítulo, “Profecias Conferidas aos Aprendizes e Adeptos” é entoada uma promessa de Buda ao discípulo Sravakas e aos pratyekabuddhas, que são aqueles que escutam com atenção os ensinamentos para alcançarem a iluminação e que se esforçam nos treinamentos. Porém, Buda alerta que esses não alcançarão a iluminação se pensarem apenas em si mesmos. O capítulo sétimo fala sobre os laços que há com Shakyamuni, que sempre ensinou, desde os primórdios.

A partir do capítulo dez, “O Mestre da Lei”, é feita uma convocação para escolher aquele que disseminará os ensinamentos de Shakyamuni. No capítulo onze, “O Aparecimento da Torre do Tesouro”, o Buda do passado, prabhûtaratna, atesta a veracidade do ensinamento, e impõe uma condição para que os presentes o encontrem, além de somente ouvir-lhe a voz: devem reunir as emanações de Shakyamuni para acabar a cobiça nos mundos, e, assim, o mundo é transformado em pureza.

Nos capítulos doze e treze, “Devadatta” e “Admoestação para Abraçar o Sutra”, vê-se a promessa de tornar-se Devadatta em um Buda, e permitir que a filha do Rei Dragão alcance a iluminação, além da esposa e da mãe de Buda. Nos ensinamentos anteriores ao Sutra, as mulheres não poderiam tornar-se Budas.

No décimo quarto capítulo, Shakyamuni prega orientando sobre como realizar a expansão do Sutra, e a maneira de como é preciso lidar com os sentimentos. Alguns bodhisattvas presentes se candidatam, porém Shakyamuni os recusa, por terem vindos de terras estrangeiras. Abre-se o chão e surgem os bodhisattvas das Práticas Superiores, das Práticas Ilimitadas, das Práticas Puras, e das Práticas Firmemente Estabelecidas. A história é apresentada no capítulo décimo quinto, “Emergindo da Terra”.

No capítulo décimo sexto é revelada a personalidade de Shakyamuni. Ele afirma que os bodhisattvas que vieram da terra, devem certificar a vida eterna do Buda, e que ele é a essência de todos o Budas que apareceram desde os primórdios. Anuncia que entrará no nirvana para que os viventes não fiquem dependentes.

Do décimo sétimo ao décimo nono capítulos são entoados versos enaltecendo os que compreenderam que a vida de Shakyamuni é eterna.

Os capítulos vigésimo ao vigésimo segundo, “O bodhisattva Nunca Desprezando”, “Os Poderes Místicos do Tathagata” e “Transmissão”, tratam do encargo de difundir o Sutra de Lótus, e é ensinado e dado treinamento aos bodhisattvas que emergiram da terra, sobre como o fazerem.

Os últimos seis capítulos, do vigésimo terceiro ao oitavo, o entoamento após terem retornado do Vácuo e voltado ao Monte Gridhrakuta, quando foram enunciados os méritos de vários adeptos e divulgadores do Sutra de Lótus. O sutra do bodhisattva Kannon, que se transfigura em trinta e três tipos de formas, e que escuta as vozes de pessoas em sofrimento e estende a mão em socorro, é considerado por muitos um dos mais belos.

 

Nota:

– Boddhisattva – é um ser que aspira à iluminação e conduz práticas altruístas a fim de atingir esse objetivo; retardam sua própria entrada no nirvana a fim de conduzir os outros à iluminação.

– Shakyamuni – é como é também chamado Sidartha Gautama.

– Maitreya – Manjushri – Shariputra – discípulos de Buda.

– Pratyekabuddhas – o Khaggavisana Sutta, que significa literalmente “O Chifre do Rinoceronte”, é considerado um dos textos budistas mais antigos. O sutra é uma expressão da senda do Pratyekabuddha, o buda solitário, ou aquele que se basta e alcançou a iluminação por conta própria.  

– Devadatta – primo de Shakyamuni (Buda), foi discípulo do Buda, mas, depois, tentou matá-lo para tomar-lhe o lugar.

Tathagata – é a qualificação usada pelo Buda para referir-se a si mesmo.

 

Fragmento de uma versão em sânscrito do Sutra do Lótus, do século V, encontrada em Hotan, em Xinjiang, na China.

Capítulo 1 – Introdução

Relata a moradia de Buda no monte Gridhrakuta, juntamente com outros monges, discípulos e bodhisattvas. Em uma assembleia, o Sutra conta que nesse dia estavam deuses e reis, e milhares de seguidores, tendo havido oferecimentos e honrarias ao Buda, que manifestou sinais de grandes poderes transcendentais. O bodhisattva Maitreya teve dúvidas sobre a transcendência e a iluminação do Buda, e faz perguntas, que são respondidas por Manjushri, que comunicou que o Buda desejava pregar a Lei.

 

Capítulo 2 – Meios Hábeis

O Buda, durante uma assembleia, fala com Shariputra sobre os meios hábeis que tem para pregar os ensinamentos. Shariputra insiste três vezes para que Buda pregue. Shakyamuni diz “Minha assembleia agora está limpa dos seus galhos, ramos e folhas, e somente os troncos permanecem”, e inicia os seus ensinamentos. Buda prega sobre os “dez fatores”, que descreve o modelo de existência comum a todos os fenômenos mutáveis. Shakyamuni declara que todas as pessoas podem se tornar budas, e sobre a inseparabilidade do estado de Buda e dos nove estados – Mundo do inferno, Mundo dos espíritos famintos, Mundo dos animais , Mundo dos asura, Mundo dos seres humanos, Mundo dos seres celestiais, Mundo dos ouvintes da voz, Mundo dos que despertaram para a causa, e Mundo dos bodhisattvas. Diz que a finalidade de os Budas virem ao mundo é o de abrirem o portal da sabedoria do Buda para todos os seres, e induzi-los a entrarem no portal.

 

Capítulo 3 – A parábola

Shariputra exalta Buda por ter ouvido o som da Lei. Diz que, no passado, ouviu uma Lei como esta do Buda, mas não fazia parte disso, então decidiu morar sozinho nas florestas. Porém, sempre pensava por que o Tathagata havia o conduzido através da Lei do Pequeno Veículo. Não entendia. Entretanto, agora que havia ouvido a Lei do Buda, ao encontrá-lo, ele, Shariputra, e todos os outros imediatamente a entendem e a aceitam, consideram-na e a certificam, embora tivessem tido muitas dúvidas e temor de que Buda pudesse ser Mara disfarçada.

Buda anuncia que Shariputra, se reverentemente mantiver a Lei correta e completar o caminho praticado pelos bodhisattvas, se tornará um Buda, que também ensinará e converterá multidões através da Lei dos Três Veículos.

Buda diz que haverá muitos bodhisattvas que não imporão seus pensamentos e plantarão as raízes da virtude. Anuncia, também, que o bodhisattva Pleno da Firmeza será o próximo a se tornar um Buda.

Então, muitos fazem oferecimentos ao Buda, e são proferidas palavras: “Há muito tempo em Varanasi, o Buda pela primeira vez havia girado a Roda da Lei, que agora girava novamente”, pregando sobre a criação e a extinção de todos os fenômenos compostos pelos cinco elementos.

Buda diz a Shariputra que o ensinou e o converteu, mas que no passado ele havia relutado. Fala que agora ele pregava o Sutra da Flor de Lótus da Lei Maravilhosa, uma lei para instruir os bodhisattvas, da qual os Budas eram guardiões.

Shariputra dirige-se novamente ao Buda e pergunta se as milhares de pessoas presentes naquela assembleia, cujas mentes atingiram a autorrealização, que anteriormente residiram no estágio de aprendizado, foram ensinadas pelo Buda, que dizia, “Minha Lei pode libertá-los do ciclo do nascimento, velhice, doença e morte, conduzindo-os para o nirvana”. Shariputra diz que aquelas milhares de pessoas, tanto aqueles que estão a aprender, como aqueles que já haviam completado o aprendizado, tendo se libertado do ego e de visões sobre existência e não-existência, clamam para atingir ao nirvana.

Buda então explica através de parábola: numa cidade existia um homem com idade já avançada e muito rico. Subitamente um fogo se irrompeu, deixando a sua enorme casa em chamas. O homem escapou, porém, seus filhos permaneciam dentro da casa, brincando, apegados aos seus brinquedos. Embora o pai buscasse induzi-los com boas palavras, todos os filhos permaneciam apegados aos seus brinquedos e se recusavam a compreendê-lo. O velho homem teve a ideia de convidar os seus filhos a saírem da casa para brincarem com carros puxados por carneiros, por cervos e por bois. As crianças, tendo ouvido ao seu pai, saíram da casa em chamas. Os filhos então perguntaram ao pai onde estavam as carroças prometidas e o pai deu a cada um deles uma grande carroça.

Buda pergunta a Shariputra: o homem é culpado de falsidade ou não? O discípulo responde que não, já que o homem, ao tirá-los da casa, havia lhes dado o maior presente, salvando-os da casa em chamas. Ele poderia dar aos filhos imensas carroças, mas deu as mais simples.

Buda diz que ele também é um pai, que havia erradicado para sempre todos os temores, fra­quezas, aflições, ignorância e obscuridade. Ele atingiu a ilimitada sabedoria, visão, poder e coragem e possui grande po­der espiritual e o poder da sabedoria. Ele consumou os Paramitas dos Meios Hábeis e da Sabedoria. Foi grandemente benevolente e com­passivo. Incansável, sempre buscando o bem e beneficiando a todos. E, assim, ele nasce no Mundo Tríplice, que é como uma casa em chamas, com a intenção de salvar os seres viventes dos fogos do nascimento, velhice, doença, morte, dor, miséria, estupidez, indolência e dos Três Venenos. Ele os ensina e os converte, levando-os a atingir o Anuttara-Samyak-Sambodhi. Buda vê todos os seres viventes sendo chamuscados pelo nascimen­to, velhice, doença, morte, dor e miséria. E diz que “se sujeitam aos vários sofri­mentos em função dos Cinco Desejos, da riqueza e do lucro. Em razão do apego e da ganância, além de no presente se submeterem a todo tipo de sofrimentos, e no futuro sujeitar-se-ão aos sofrimentos do inferno, em meio aos animais ou espíritos famintos. Se nascidos no mundo celestial ou em meio aos seres humanos, eles sofrerão da pobreza e da aflição, do sofrimen­to de serem separados de quem amam, do sofrimento de estarem juntos de quem odeiam e todos os vários sofrimentos. Mesmo assim, os seres viventes mergulham nesse marasmo, in­conscientes, desavisados, sem susto ou temor. Eles não se tornam saciados em seus desejos nem buscam a libertação. Na casa em chamas do Mundo Tríplice, eles correm de um lado para outro. Embora sofram, eles não estão preocupados”.

Shariputra conclui que se Buda meramente usasse o poder espiritual e o poder da sabedoria e deixasse de lado os meios hábeis, dotando todos os seres viventes dos poderes da sabedoria, da visão e da coragem do Tathagata, mesmo assim eles não estariam ap­tos a serem salvos. Por que é assim? Porque os seres viventes ainda não se libertaram do nascimento, da velhice, da doença, da morte, da dor e da mi­séria. Eles estão sendo chamuscados na casa em chamas do Mundo Tríplice. Então, Buda utiliza-se da sabedoria e dos meios hábeis para resga­tar os seres viventes da casa em chamas, pregando para eles os Três Veículos: o veículo do Ouvinte (erudição), o veículo do pratyekabuddha (absorção) e o veículo do Buda (bodhisattva).

Buda alerta para que os homens não se seduzam por formas vulgares e demoníacas, sons, odores, sabores e formas tangíveis (tato). O apego a essas coisas os “queimará” (em referência a parábola da casa pegando fogo).

No texto recitado, Buda exalta o Sutra de Lótus e faz diversas advertências aos que não têm fé, conforme a fé de Shariputra, impondo castigos, como o nascer camelo ou asno, carregando pesadas cargas e sendo surrados. E, se se tornarem humanos, serão coxos, cegos, deficientes etc., além de nunca poderem ver o Buda.

 

Nota:

– Shariputra – tornou-se um arhat (um ser de elevada estatura espiritual), renomado por sua sabedoria e é mostrado na tradição theravada como um dos mais importantes discípulos do Buda.

– Tathagata – é a qualificação usada pelo Buda para referir-se a si mesmo.

Pequeno Veículo – singularidade do mestre e do discípulo. Comprometimento entre mestre e discípulo, que se tornam companheiros e que compartilham o mesmo objetivo.

– Mara – Buda representa a iluminação e Mara é a ilusão. Isso é personificado como o demônio Mara que teria tentado impedir o Buda Gautama de alcançar a iluminação, e que também vive no interior de cada pessoa tentando mantê-la adormecida na ilusão Maya do mundo.

– Bodhisattva – é qualquer pessoa que, movida por grande compaixão, gera o desejo espontâneo de atingir o mesmo status de Buda para o benefício de todos os seres sencientes.

– Lei dos Três Veículos – referem-se aos veículos da erudição, absorção e bodhisattva; os três veículos foram uma maneira que o Buda dividiu os ensinamentos do Veículo Unico.

– Varanasi – cidade no estado de Uttar Pradesh, no norte da Índia, considerada a capital espiritual da Índia.

– Cinco elementos – são forma, percepção, concepção, volição e consciência.

– Paramitas – são ensinamentos do budismo mahayana. Paramita é uma palavra que pode ser traduzida como “perfeição” ou “realização perfeita”. As perfeições devem ser praticadas diariamente.

– Três Venenos – ou as três raízes prejudiciais, são a ilusão e a confusão, a ganância e o apego sensual, e a aversão.

– Anuttara-Samyak-Sambodhi – iluminação insuperável, completa e perfeita.

– Cinco desejos – são o desejo sensual, o desejo de punição, o torpor e preguiça, a inquietação e ansiedade e a dúvida.

 

Capítulo 4 – Fé e Compreensão

Os sábios e os longevos Subhuti, Mahakatyayana, Mahakashyapa, Mahamaudgalyayana (os da cúpula da sangha), ouvem do Buda uma Lei que os faz meditar sobre o vazio, sem forma e sem desejos.

É contada, então, uma parábola: a de um filho, que na sua juventude deixou o seu pai tendo ido para longe, num país distante, por um longo tempo. Conforme envelhecia, empobrecia, procurando por roupa e comida. Seu pai, um homem muito rico e bem sucedido, sempre o procurara. Certo dia o filho voltou à casa de seu pai. Quando o pobre filho viu seu pai, com tantas posses e poder, ele sentiu medo e pesar por ter vindo ali. Então, o velho homem, vendo seu fi­lho, reconheceu-o e seu coração alegrou-se enormemente. O filho saiu em busca de um lugar que pudesse empregá-lo e dar-lhe um teto. O pai enviou empregados para buscar o filho, que, assustado, relutou em voltar. O pai decidiu, então, não insistir; a sua própria nobreza era uma fonte de dificuldades para o seu filho.

O velho homem secretamente enviou duas pessoas, macilentas e indignas na aparência, para convidar o filho a trabalhar.  O filho aceitou o salário e se juntou àqueles homens na varrição e coleta do estrume, na casa do pai. Quando o pai viu o seu filho fazendo aquele trabalho, sentiu piedade e espanto. Ele, então, tirou seu colar de contas, seu fino manto, seus adornos e vestiu um robe grosseiro, surrado e imundo, enlameou-se e, segurando uma pá de estrume, se aproximou do seu filho, oferecendo utensílios, comida e um bom quarto. Disse que daquele momento em diante o tomaria como seu próprio filho. Por muitos anos, o filho permaneceu fazendo o seu trabalho.

Então, o velho adoeceu e soube que logo morreria, orientando o filho para que soubesse dos negócios.

O filho pobre, tendo recebido essas instruções, encar­regou-se de todos os bens. O pai, posteriormente, reuniu os seus subalternos e contou-lhes ser aquele seu filho, e que todos os seus bens pertenceriam a ele.

Os sábios comparam o velho homem ao Tathagata, dizendo serem todos filhos do Buda. Revela que, apesar de saber que os seus pensamentos estão apegados aos desejos inferiores e que se deleit­am nas Leis menores, deixa-nos seguir os próprios caminhos.

Porém, o Buda, utiliza dos meios hábeis para os ensinar da maneira apropriada, pregando a Lei do Grande Veículo.

 

Nota:

– Sangha – assembleia ou comunidade com objetivos comuns.

 

Capítulo 5 – Ervas Medicinais

Kashyapa, discípulo, diz que o Tathagata contempla e conhece as tendências de todos os fenôme­nos. Ele também conhece as profundezas dos processos mentais e pensa­mentos de todos os seres viventes, penetrando-os sem obstruções. Além disso, ele possui uma extrema e clara compreensão de todos os fenômenos e instrui os seres viventes acerca de todas as sabedorias.

É contada a alegoria de inúmeras florestas que recebem um mesmo tipo de chuva e a natureza, embora formada por diferentes plantas, cresce, floresce e frutifica e por fim, afirma que os ensinamentos de Buda são assim, e quem for fiel a eles, será beneficiado.

 

Capítulo 6 – Concessão de Profecias

Shakyamuni anuncia em assembleia que o discípulo Mahakashyapa se tornará um Buda chamado Brilho da Luz. Os discípulos Mahamaudgalyayana, Subhuti e Mahakatyayana perguntam ao Buda se eles, que sempre pensaram acerca dos erros do Pequeno Veículo, não sabiam se estariam aptos a ganhar a sabedoria dos Budas. Buda anuncia que Subhuti se tornará o Tathaga­ta Aparência do Nome; Mahakatyayana se tornará um Buda chamado Tathagata Luz do Ouro de Jambunada; e Mahamaudgalyayana, o Tathagata Fragrância da Ta­malapatrachandana.

 

Capítulo 7 – A Parábola da cidade fantasma

O Buda diz aos monges ter existido um Buda chama­do Vitória da Sabedoria da Grande Penetração.

Pede que os monges imaginem uma pessoa triturando toda a terra de três bilhões de grandes mundos, transformando-a em partículas; que ela passasse por mil terras, deixando cair uma partícula em cada uma delas e continuasse assim fazendo, até que todas aquelas minúsculas partículas acabassem. Então, que quando aquele Buda estivesse sentado no lugar da iluminação, a ponto de atingir o Anut­tara-Samyak-Sambodhi, as leis dos Budas ainda não tivessem aparecido para ele.

Aquele Buda tinha tido dezesseis filhos, o pri­meiro deles chamava-se Sabedoria Acumulada. Cada um deles possuía uma variedade de brinquedos preciosos e incomuns. Quando eles ouviram que seu pai havia atingido o Anuttara-Samyak-Sambodhi, todos dei­xaram de lado aquelas coisas que eles valorizavam e foram ao encontro do Buda. Muitas pessoas circundavam e acompanhavam o lugar da iluminação, desejando aproxima­rem-se do Tathagata Vitória da Sabedoria da Grande Penetração.

Quando os dezesseis filhos encerraram a sua louvação, pediram que ele que girasse a Roda da Lei.

O Tathagata Vitória da Sabedoria da Grande Penetra­ção, após os pedidos dos Reis do Céu Brahma das dez direções e dos dezesseis príncipes, girou três vezes a Roda da Lei de doze partes, que não pode ser girada por nenhum outro ser, e disse: “este é o sofrimento; esta é a origem do sofrimento; esta é a extinção do sofrimento; e este é o caminho para a extinção do sofrimento”, e discorreu sobre a Lei das doze causas e re­lações, ou Lei da causação: “a ignorância causa a ação; a ação causa a cons­ciência; a consciência causa o nome e a forma; o nome e forma causam os seis sentidos orgânicos; os seis sentidos orgânicos causam o contato; o contato causa a sensação; a sensação causa o desejo; o desejo causa o ape­go; o apego causa a existência; a existência causa o nascimento; o nasci­mento causa a velhice e a morte, a aflição e a dor, o sofrimento e a angústia. Quando a ignorância é extinta, as ações são extintas. Quando as ações são extintas, então a consciência é extinta. Quando a consciência é extinta, en­tão o nome e a forma são extintos. Quando o nome e a forma são extintos, então os seis sentidos orgânicos são extintos. Quando os seis sentidos or­gânicos são extintos, então o contato é extinto. Quando o contato é extinto, então a sensação é extinta. Quando a sensação é extinta, então o desejo é extinto. Quando o desejo é extinto, então o apego é extinto. Quando o apego é extinto, então a existência é extinta. Quando a existência é extinta, então o nascimento é extinto. Quando o nascimento é extinto, então a ve­lhice e a morte, a aflição e a dor, o sofrimento e a angústia são extintos.”

Quando o Buda pregou essa Lei, para que os presentes não mais se apegassem a quaisquer coisas do mundo fenomenológico, todos tiveram seus pensamentos libertos de todas as falhas. Atingiram uma concentração dhyana, as Três Com­preensões, os Seis Poderes das Penetrações, e tornaram-se dotados das Oito Emancipações.

Vitória da Sabedoria da Grande Penetra­ção também pregou a Lei do Anuttara-Samyak-Sambodhi, e tendo diversos pedidos pregou o Sutra do Grande Veículo chamado Flor de Lótus da Lei Maravilhosa. Após ter terminado a pregação do Sutra, ele entrou em um quarto silencioso onde permaneceu em samadhi dhyana. Passado um longo tempo, o Buda Vitória da Sabedoria da Gran­de Penetração despertou do seu samadhi, e falou aos monges: “Estes dezesseis bodhisattvas sempre se de­leitam na pregação do Sutra da Flor de Lótus da Lei Maravilhosa. Informou que cada um desses bodhisattvas converteu seres viventes em grande número. Dois dos bodhisattvas tornaram-se Budas no Leste: um foi chamado Akshobhya, na Terra da Felicidade, e o outro foi chamado Pico Sumeru. Dois tornaram-se Budas no Sudeste: um foi chamado Som do Leão, o outro foi chamado Marca do Leão. Dois tornaram-se Budas no Sul: um foi chamado Morador do Espaço, o outro foi chamado Extinção Eterna. Dois tornaram-se Budas no Sudoes­te: um foi chamado Marca Real, o outro foi chamado Marca do Brahma. Dois tornaram-se Budas no Oeste: um foi chamado Amitayus, o outro foi chamado Salvador de todos os Mundos do Sofrimento e da Angústia. Dois tornaram-se Budas no Noroeste: um foi chamado Fragrância da Tamalapatrachandana e das Penetrações Espirituais, o outro foi chamado Marca do Sumeru. Dois tornaram-se Budas no Norte: um foi chamado Nuvem da Emancipação, e o outro foi chamado Rei da Nuvem da Emancipação. No Nordeste, havia um Buda chamado Destruidor de Todos os Temores Mundanos; e o outro Buda, o dé­cimo sexto, era ele mesmo, Buda Shakyamuni, no mundo saha, onde alcançou o Anuttara-Samyak-Sambodhi.

Shakyamuni diz que, após a sua extinção, haverá discípulos que não ou­viram o Sutra e que não conhecerão ou serão cientes da conduta do bodhisattva, mas entrarão no nirvana. Ele diz que haverá um Buda numa outra terra, com um outro nome. Que pessoas intuirão a ideia da extinção e de entrar no nirvana, e que buscarão a sabedoria do Buda, ouvirão o Sutra, e saberão que somente através do Veículo do Buda é que a extinção poderá ser alcançada.

Buda ensina os monges presentes na assembleia: conta que, em uma longa estrada, acidentada e perigosa, num lugar inóspito, um grupo de pessoas desejava viajar por essa estrada em busca de um tesouro de joias preciosas. Havia um guia, conhecedor da estrada. Em meio do caminho o grupo se cansa e deseja voltar. O guia cria uma cidade e sugere ao grupo que descansasse nela. Sabendo que o grupo estava descansado fez a cidade desaparecer, convidando-os a seguirem em busca do tesouro. A cidade era meramente uma miragem, algo que o guia havia criado para prover-lhes descanso. Diz que o Tathagata também é assim. Ele age como um gran­de guia e que há somente o Veículo de Buda, que pode ser longo e extenuante.

 

Nota:

–  Concentração dhyana – é a concentração com foco contínuo, que se alonga e afasta os pensamentos.

– Três Com­preensões – a transitoriedade, a imaterialidade e o sofrimento são os três elos que estão presentes em nós mesmos e em tudo que nos rodeia.

– Seis Poderes das Penetrações – os poderes são os paramitas – as perfeições ou culminações de certas práticas. Tais práticas são cultivadas por arhats e bodhisattvas para percorrer o caminho da vida sensorial (samsãra) à iluminação (nirvana).

 – Oito Emancipações – é o método em oito etapas criado por Buda para conduzir o praticante até a sua iluminação espiritual.

 

Capítulo 8 – A concessão de Profecias aos quinhentos discípulos

O discípulo Purnamaitreyaniputra ouve sobre a sabedo­ria e os meios hábeis do Buda e do Anuttara-Samyak-Sambodhi; sobre as causas e relações das vidas passadas e sobre a grande liberdade e o poder das penetrações espirituais obtidas pelo Buda.

Shakyamuni diz aos monges que reputa a Purna­maitreyaniputra como sendo o maior entre aqueles que pregam o dharma, e que se tornaria um Buda de nome Tathagata Brilho da Lei, Merecedor de Ofertas, de Conhecimento Correto e Universal, de Lucidez e Conduta Perfeitas. Diz que todos os seres viventes de sua terra búdica do Tathagata nasceriam por transformação (e não pelo sexo) e teriam a alegria do dhar­ma e a felicidade da meditação dhyana.

Anuncia também que os arhats ali presentes, cujas mentes tinham conseguido o autocontrole, atingirão o Anuttara-Samyak-Sambodhi.

Buda ensina usando parábola: uma pessoa vai à casa de um amigo íntimo, embriaga-se de vinho e adormece. Seu amigo, que precisa ir a um importante encontro de negócios, introduz uma pérola de valor inestimá­vel no forro da sua roupa como um presente e então sai. Aquela pessoa, no auge da embriaguez, nada percebe. Levantando-se, ela prossegue a sua viagem indo a um outro país, onde, na busca de roupa e comida, ela empreende trabalhos pesados e está satisfeita com o pouco que consegue ganhar. Em outro momento o amigo o encontra, vê as necessidades que o outro tem para sobreviver, comenta sobre ter colocado uma pérola de grande valor no forro da sua roupa. Buda então o compara àquele amigo. Quando era um bodhisattva, ele ensinou e converteu. Muitos, porém, esquecerão e se tornarão ignorantes.

 

Capítulo 9 – A Concessão de Profecias aos Aprendizes e Adeptos

Os discípulos Ananda e Rahula pedem ao Buda que consinta em conceder uma profecia. Buda diz a Ananda que ele, no futuro, se tornará um Buda. Shakyamuni anuncia aos ouvintes, que participam da assembleia que também Rahula se tornará um Buda. Enuncia para Ananda que serão feitas oferendas a muitos Budas, e que a Lei correta e a adulterada serão ensinadas.

 

Capítulo 10 – Os Mestres da Lei

O bodhisattva Rei da Medicina, fala aos monges e aos ouvintes, pregando os ensinamentos. O Buda diz ao discípulo que após a extinção do Tathagata, se houver alguém que ouça um simples verso ou uma simples sentença do Sutra da Flor de Lótus alcançará o Anuttara-Samyak-Sambodhi. Que este será mensageiro do Buda. Shakyamuni orienta o bodhisattva sobre como deve ser pregado o Sutra de Lótus e alerta que não se deve ensiná-lo falsamente às pessoas.

 

Capítulo 11 – O aparecimento da Torre de Tesouro

O texto conta que se elevou da Terra uma torre que ficou suspensa no espaço. Então, uma voz sai da torre incentivando Shakyamuni a fazer sua pregação aos quatro tipos de crentes. Buda diz que dentro da torre está o seu corpo. Um bodhisattva diz querer ver o corpo de Buda, que então afirma que aparecerá. Todos os Budas vão para o mundo saha onde vive Tathagata. A terra é mudada para receber o Buda e todos os outros Budas. Eles desejam que a torre seja aberta, e os presentes podem ver o Tathagata. Shakyamuni pede um esforço aos presentes para que preservem a Lei após ele ir para o nirvana. O Buda inicia a pregação da Verdadeira Lei, tendo sido pronunciada e testemunhada pelo Buda Muitos Tesouros. Por essa razão são purificadas as terras búdicas das oito direções, pois, o que está para ser pregado é para instruir bodhisattvas. As emanações do Buda que se encontram naquelas terras das oito direções, estão a pregar ensinos provisórios, através dos meios hábeis, para conduzir os seres a esse Sutra da Flor de Lótus. Os Budas que são suas emanações, e que vêm dessas terras já purificadas, chegam ao mundo saha acompanhados apenas de um grande bodhisattva, pois, a entrada de um Buda nesse mundo pode unicamente acontecer através do Portal do bodhisattva ou do Grande Veículo. Esse poder de purificar os mundos das oito direções é que fará com que o Buda profetize a iluminação de Devadatta (um ser do estado de inferno). A compreensão desse poder torna a pessoa uma verdadeira devota desse Sutra da Flor de Lótus.

 

Nota:

– Nirvana – é o estado de libertação do sofrimento, uma superação do apego aos sentidos, do material, da existência e da ignorância; a pureza e a transgressão do físico, a qual busca a paz interior e a essência da vida.

 

Capítulo 12 – Devadatta

Buda diz em assembleia que foi devotado na busca da iluminação, não poupando a própria vida, e que renunciou à posição de monarca no passado. Na época, quando era rei, um vidente disse-lhe que iria ensinar-lhe a sutil e maravilhosa Lei. O vidente é o atual Devadatta. Buda comunica que Devadatta vai tornar-se um Buda. Na assembleia, uma mulher, a Menina Dragão, transforma-se num homem e atinge a iluminação.

 

Capítulo 13 – Exortação para abraçar o Sutra

Arhats e aprendizes fazem voto de pregar o Sutra da Flor de Lótus. Buda profetiza que Gautama será um mestre da Lei e se tornará Buda. Também anuncia que sua mãe, a monja Yashadhana se tornará Buda no futuro. Os bodhisattvas presentes dizem que pessoas ignorantes, quando forem pregar o Sutra, os caluniarão e os atacarão, porém com paciência resistirão. Os bodhisattvas prometem a Shakyamuni que propagarão o Sutra do Lótus.

 

Capítulo 14 – Conduta para a prática bem-sucedida

O bodhisattva Manjushri pergunta ao Buda como se deve pregar o Sutra na era da maldade, que virá. Buda ensina que deverão ser pacientes, gentis, misericordiosos, complacentes, não impetuosos e volúveis; precisam ter o pensamento sereno e não devem associarem-se a reis, príncipes, ministros ou oficiais, nem aproximarem-se de não budistas e daqueles que praticam esportes violentos, os que praticam magia, dos que caçam, pescam e aprisionam animais; não devem desejar as mulheres, não devem querer dominar quaisquer fenômenos, não falar das falhas ou fraquezas dos outros, e não devem ter inveja, ciúmes, ódio, vaidade e arrogância. Devem, porém, deleitarem-se na meditação.

 

Capítulo 15 – Emergindo da terra

Após o anúncio do Buda de que uma multidão de bodhisattvas mahasattvas faria oferecimentos ao Sutra, a terra treme e abre-se, e aparecem bodhisattvas. Os participantes da assembleia perguntam ao Buda de onde tinham vindo os bodhisattvas. Buda diz que são aqueles que ele havia ensinado, convertido e conduzido. Em seguida questionam como Buda, em tão pouco tempo, os ensinou. O bodhisattva Maitreya intercede e conta sobre o tempo em que o Buda foi do clã dos Shakyas, deixou o seu lar para sentar-se sob a árvore de bodhi, e que desde então teve grandes conquistas.

 

Nota:

– Árvore de bodhi – A bodhi foi a árvore debaixo da qual Gautama, o buda histórico, se sentou para meditar e foi sob ela que ele alcançou a iluminação espiritual.

 

Capítulo 16 – A duração da vida do Tathagata

Buda diz, na assembleia, que conduz cada vivente à salvação da maneira mais apropriada. Que emprega meios hábeis, de forma que os seres despertem para a felicidade. Buda ensina que a dificuldade para o encontrar alimentará o desejo de todos para estarem próximos dele. Através de uma parábola afirma que estará sempre presente para pregar a Lei e as doutrinas, para salvar os viventes apropriadamente. Shakyamuni diz ter atingido o estado de Buda em uma existência passada daquela vida. É revelada a eternidade da vida.

 

Capítulo 17 – Distinção dos méritos e virtudes

Em assembleia, Buda comunica aos ouvintes que os bodhisattvas mahasattvas obtiveram a “Consciência do Não-Nascimento de Todos os Fenômenos”, o dharani-portal da audição e apreensão, a eloquência na pregação, o aprendizado, tornaram-se capazes de girar a Roda da Lei, a alcançar o Anuttara-Samyak-Sambodhi após oito, quatro, três, duas existências e uma única. Buda ressalta a importância de, com fé e compreensão, receber, manter, ler, recitar e escrever, ou requisitar a outros escrever, e fazer oferecimentos ao Sutra.

 

Nota:

– Anuttara-Samyak-Sambodhi – é uma palavra do sânscrito que significa “insuperável, própria e plena, iluminação correta”. O termo não é traduzido porque é uma designação honorífica para a fruição ultimada, aquela do Estado de Buda.

 

Capítulo 18 – Os méritos e virtudes da alegre concordância

O bodhisattva Maitreya pergunta a Buda se um homem, ou mulher, se alegrar e estar em concordância com o Sutra de Lótus, quantas bençãos ele obterá? Buda responde que aqueles que se alegrarem em concordância e transmitirem os ensinamentos terão infinitas bençãos. Diz, em parábola, comparando um filantropo que fez muitas doações, e aquele homem que ouviu um simples verso do Sutra de Lótus: o mérito e a virtude daquele que ouviu e alegrou-se é ilimitada. Buda diz para o discípulo Ajita que aquele que, em assembleia, ouvir e alegrar-se com o Sutra de Lótus renascerá com sabedoria, livre de moléstias e com boa aparência.

 

Nota:

– Mundo Saha – é definido como “terra impura”. O mundo saha é uma terra onde Shakyamuni faz seu advento e, resistindo a inúmeras adversidades, instrui os seres vivos.

– Arhat – ser de elevada estatura espiritual (aquele que merece louvores divinos). Aquele que atingiu o mais elevado dos quatro estágios que as pessoas de erudição visam alcançar (que se libertou das ilusões do pensamento e dos desejos).

 

Capítulo 19 – Os méritos e virtudes do Mestre da Lei

Buda refere-se aos benefícios dos que receberam o Sutra de Lótus da Lei Maravilhosa. Diz que os ouvidos dos que aceitaram escutarão diversos sons e os saberão distinguir e compreender. Que sentirão os aromas de várias fragrâncias, das flores, das árvores, e os odores dos animais e de homens e mulheres, dos seres celestiais, e dos incensos queimados pelos deuses. Saberão onde os encontrarem e conhecerá as flores e as árvores.

Diz, ainda, que perceberão os gostos bons e ruins, saborosos e dessaborosos, amargos e adstringentes, e experimentarão o paladar superior, como o doce do orvalho celestial. Seu corpo se tornará puro, e tudo o que é bom refletir-se-á nele. Terá a mente pura, brilhante, aguçada e imaculada.

 

Capítulo 20 – O Bodhisattva Sem-desprezo

Buda diz ao Bodhisattva Mahasattva Grande Força que insultar e difamar quem ostenta o Sutra da Flor de Lótus incorre em grande ofensa. Conta que certa vez, em outros tempos, o Buda Tathagata Rei do Som Maravilhoso, pregou a Lei das Quatro Nobres Verdades a seres celestiais, humanos e asuras, buscando que transcendessem o nascimento, a velhice, a doença e a morte, alcançando o último nirvana. Àqueles que buscavam tornar-se pratyekabudas (Buda solitário, asceta) ele pregou a Lei das Doze Causas e Relações. Aos bodhisattvas, com o propósito de conduzi-los ao Anuttara-Samyak-Sambodhi (iluminação perfeita e insuperável), ele pregou a Lei dos Seis Paramitas. Após, ele passou à extinção, e suas Leis Correta e Adulterada tornaram-se extintas. Surgiu um outro Buda chamado Tathagata Rei do Som Maravilhoso. Durante a era da Lei Adulterada, existiram monges de arrogância desmedida que assumiram grande poder. Havia um monge chamado Sem Desprezo, que reverenciava a todos, profetizando que atingiriam o estado de Buda. Durante anos ele foi insultado, injuriado, caluniado e desprezado. Daí terem lhe dado o nome “Sem Desprezo”. Quando sua vida terminou, ele obteve a pureza dos olhos, dos ouvidos, do nariz, da língua, do corpo e da mente (dos sentidos). Sua vida foi então prolongada, e ele pregou o Sutra da Flor de Lótus. Aqueles ouvintes arrogantes viram que ele havia conquistado poderes e crescimento espirituais, e passaram a segui-los fielmente. O bodhisattva Sem Desprezo foi o próprio Buda em vida anterior. Todos os bodhisattvas mahasattvas (pessoa movida por grande compaixão e o desejo espontâneo de atingir o mesmo status de Buda para o benefício de todos os seres) precisam receber, ler e recitar o Sutra para alcançarem o Anuttara-Samyak-Sambodhi.

 

Capítulo 21 – Os poderes espirituais do Tathagata

A pregação do Sutra de Lótus ensina a pura Lei. Monges, monjas, leigos, leigas, seres celestiais, dragões, yakshas, gandharvas, asuras, garudas, kinnaras, mahoragas, humanos e não-humanos residem no mundo Saha, e os Budas manifestam seus poderes espirituais e alcançam os céus de Brahma.

 

Nota:

– Yakshas – é o nome de uma classe de espíritos da natureza, geralmente benevolentes, que são responsáveis ​​pela manutenção dos tesouros naturais escondidos na terra e das raízes das árvores. Na mitologia budista o yaksa tem uma dupla personalidade; podem ter natureza de fadas inofensivas, associado a bosques e montanhas, mas também há uma versão mais sombria, que é uma espécie de fantasma (bhuta) que assombra o deserto e arma emboscadas para devorar os viajantes.

– Gandharvas – são seres celestiais da mitologia budista, um tipo de devas dos níveis mais inferiores. São dotados para a música.

– Asuras – personagens da mitologia, são antideuses, assumindo papel semelhante ao de demônios de outras mitologias.

– Garudas – figuras mitológicas, um pássaro solar brilhante como o fogo, é a montaria do deus Vishnu.

– Kinnaras – são representadas como metade mulher e metade ave, uma das muitas criaturas que habitam a mítica floresta Himavanta.

– Mahoragas – são uma raça de divindades no budismo, frequentemente descritos como seres antropomórficos com corpos serpentinos da cintura para baixo.

Esses personagens fazem parte da mitologia do budismo.

 

Capítulo 22 – A Transmissão

O Buda Shakyamuni toca as cabeças e transfere o Sutra a todos os bodhisattvas mahasattvas, e todos os Budas vindos de todo o Universo retornam para suas origens. A Cerimônia no Ar chega ao seu fim.

 

Capítulo 23 – Os feitos passados do Bodhisattva Rei da Medicina

O bodhisattva Rei da Constelação Flor pergunta ao Buda como é que o bodhisattva Rei da Medicina transita através do mundo saha. Buda diz que o bodhisattva entrou no samadhi, e ao voltar, renunciou do corpo e fez inúmeros oferecimentos e doações. O tempo para a sua extinção havia chegado. Ensina que aquele que queimar um dedo da mão ou do pé como oferecimento à torre de um Buda, superará aqueles que usam países, cidades, esposas e filhos, montanhas, florestas, rios, lagos e objetos preciosos como oferecimentos. O Sutra da Flor de Lótus é enaltecido como sendo o mais elevado, e Buda saúda o bodhisattva Rei da Constelação Flor pelos méritos e virtudes.

 

Nota:

– Samadhi – é “meditação completa”. Na ioga é a última etapa do sistema, quando se atingem a suspensão e compreensão da existência e a comunhão com o universo.

 

Capítulo 24 – O Bodhisattva Som Maravilhoso

O Buda Shakyamuni emite uma luz que ilumina terras búdicas e o mundo chamado Adornado com Pura Luz, onde existe um Buda chamado Sabedoria do Rei da Constelação Pura Flor. O Buda do mundo Adornado com Pura Luz diz ao bodhisattva Som Maravilhoso para não menosprezar o mundo saha, considerado inferior. Então o bodhisattva transcende ao mundo saha e faz inúmeros oferecimentos ao Buda Shakyamuni, voltando, após, ao seu mundo.

 

Capítulo 25 – O portal universal do Bodhisattva Guanshiyin (O Contemplador de Sons do Mundo)

Buda diz ao bodhisattva Intenção Inesgotável de que qualquer um, sujeito a qualquer tipo de sofrimento, ouvir falar do bodhisattva Contemplador de Sons do Mundo, será salvo por ele. Aqueles que recitarem o seu nome serão libertados dos desejos, do ódio, da estupidez. Devem sempre tê-lo em mente devido ao seu grande poder espiritual. Ele sempre pregará o dharma. O bodhisattva Intenção Inesgotável, então, oferece o seu colar de pérolas ao Contemplador dos Sons do Mundo, que recusa aceitá-lo. Por piedade, a Assembleia dos Quatro Tipos de Crentes, depois o aceita e o divide, dando a metade do colar para o Buda Shakyamuni e a outra metade para o Buda Muitos Tesouros. Gautama ao final diz: “que aprendam sobre o altruísmo”.

 

Capítulo 26 – Dharani

O bodhisattva Rei da Medicina diz à Buda que ensinará aos pregadores do dharma um mantra dharani, para os proteger. O mesmo fez o bodhisattva Doador Intrépido. O Rei Celeste e Protetor do Mundo Vaishravana, por compaixão, faz um mantra aos Mestres da Lei. Assim também faz o Rei Celeste Protetor da Nação. Na assembleia há demônios femininos (lambda, vilamba, dentes curvos etc.). As mulheres-demônio se oferecem para também recitar um mantra para a proteção dos que aceitam o Sutra da Flor de Lótus. Quando o Capítulo Dharani foi pregado, os homens e as mulheres tiveram a compreensão da verdade do não-nascimento e não-extinção de todos os fenômenos.

 

Capítulo 27 – Os feitos passados do rei Adorno Maravilhoso

O Buda conta em assembleia que no passado existiu um Buda chamado Sabedoria do Rei Flor da Constelação, Nuvem, Som, Trovão, Tathagata, Arhat, Samyaksambuda. A sua terra era a Adornada pela Luz.

Sob a Lei daquele Buda, havia um rei chamado Adorno Maravilhoso. A esposa do rei era chamada Pura Virtude. Ela tinha dois filhos, o primeiro chamado Repositório Puro e o segundo chamado Olho Puro. Aqueles dois filhos tinham extraordinários poderes espirituais, bênçãos, virtudes e sabe­doria. Eles, por muito tempo, haviam exercitado o caminho praticado pelos bodhisattvas dos paramitas dana, shila, kshanti, virya, dhyana e prajna; o paramita dos meios hábeis, da bondade, compaixão, alegria e da doação, bem como o Caminho dos Trinta e Sete Preceitos da Lei.

Eles haviam também obtido o samadhi da Pureza do bodhisattva, o samadhi do Sol e das Estrelas; o samadhi da Luz Pura; o samadhi da Forma Pura, o samadhi da Iluminação Brilhante e Pura; o samadhi do Adorno Extensivo; e o sama­dhi do Repositório da Grande e Extraordinária Virtude.

O Buda, desejando guiar o Rei Adorno Maravilhoso e para ser compassivo e benevolente em relação aos seres viventes, prega o Sutra da Flor de Lótus da Lei Maravilhosa.

Os dois filhos, Repositório Puro e Olho Puro, vão à sua mãe e pedem para visitar o Buda Sabedoria do Rei Flor da Constelação, da Nuvem, do Som, do Trovão, porque ele pregava o Sutra da Flor de Lótus da Lei Maravilhosa para toda a multidão de seres celestiais e humanos.

A mãe diz aos seus filhos que o pai possui uma outra fé não-budista e está ligado às doutrinas do bramanismo, e que eles perguntem se o pai deseja ir junto.

A mãe orienta aos filhos que manifestem seus poderes espirituais, e que talvez ele permita que visitassem o Buda. Os filhos fazem: erguem-se e caminham no espaço, flutuam, sentam-se e reclinam-se. Da parte superior dos seus corpos, eles jorram água e, da parte inferior, fogo. Eles manifestam-se em corpos enormes, preenchendo todo o espaço e, então, manifestam-se como pequenos seres. No espaço, eles desaparecem e, então, subitamente, reaparecem. Eles mergulham na terra como se fosse água, e caminham na água como se fosse terra. Apresentando tais transformações espirituais, os dois filhos levam o pensamento do seu pai a se purificar, compreender e entender.

Vendo, o pai regozija-se e pergunta de quem eles são discípulos. Eles respondem que do Buda Sabedoria do Rei Flor da Constelação, da Nuvem, do Som, do Trovão. O pai diz também desejar juntar-se ao mestre.

Os pais seguem juntamente com os filhos para encontrarem o Buda Sabedoria do Rei Flor da Constelação, da Nuvem, do Som, do Trovão, e ao chegar fazem oferendas. O Buda concede ao Rei tornar-se um monge superior, e vão praticar a Via.

O Buda pergunta aos presentes, na assembleia, se o rei poderia ter sido algum outro. E anuncia que o Rei está presen­te, o bodhisattva Virtude da Flor. Sua esposa, a Rainha Pura Virtude, o bodhisattva Marca do Adorno Brilhante, e os dois filhos, o bodhisattva Rei da Medicina e o bodhi­sattva Medicina Superior. Quando o Buda pregou este capítulo, “Os Feitos Passados do Rei Ador­no Maravilhoso”, milhares de pessoas foram apartadas da corrupção, e obtiveram a Pureza do Olho do dharma com relação a todas as leis.

 

Nota:

– Arhat – um ser de elevada estatura espiritual.

– Samyaksambuda – os que atingem o estado de Buda e decidem ensinar aos outros a verdade que descobriram.

– Paramitas dana – são as perfeições de certas práticas, que são praticadas por arahants e bodhisattvas para percorrer o caminho da vida sensorial (sãmsara) à iluminação (nirvana).

– Shila – refere-se à conduta de comportamento ético que os praticantes do budismo procuram manter – virtude, boa conduta, disciplina moral.

– Kshanti – paciência, tolerância e perdão. É um dos paramitas no budismo.

Virya – comumente traduzido como energia, diligência, entusiasmo ou esforço. Pode ser definida como uma atitude de prazer em participar de atividades saudáveis ​​e funciona para fazer com que alguém realize ações saudáveis ​​ou virtuosas.

– Prajna – é a sabedoria que extingue as aflições e traz a iluminação advindo da meditação sobre o princípio Universal.

 

Capítulo 28 – O encorajamento do Bodhisattva Universal Meritório (Samantabhadra)

O bodhisattva Universalmente Meritório vai ao Monte Gridhrakuta, no mundo saha, acompanhado por um grande séquito de seres celestiais, dragões, yakshas, gandharvas, asuras, ga­rudas, kinnaras, mahoragas, humanos e não-humanos.

Chegando, diz ao Buda Shakyamuni ter ouvido que no mundo saha, o Sutra da Flor de Lótus da Lei Maravilhosa estava sendo pregado, e que ele está lá para ouvi-lo e recebê-lo. Diz que após a extinção do Buda, ele pregaria e protegeria quem o pregasse. Shakyamuni diz que quem pregar o Sutra nascerá no Céu Tushita na presença do bodhisattva Maitreya.

 

Nota:

– Céu Tushita – é o reino acessível através das realizações de meditação avançada. É o céu, onde o bodhisattva Svetaketu (Bandeira Branca) residia antes de renascer na Terra como Buda Gautama.

 

A seguir, um trecho do capítulo 23 do Sutra da Flor de Lótus:

“Este Sutra pode beneficiar enormemente todos os seres viventes, cumprindo seus votos. Assim como uma fonte límpida e fresca pode saciar a sede de todos; assim como quando uma pessoa com frio en­contra o fogo; assim como quando uma pessoa nua encontra roupa; assim como quando um mercador encontra o comprador; assim como quando uma criança encontra sua mãe; assim como quando um passageiro encon­tra uma embarcação; assim como quando uma pessoa doente encontra um médico; assim como quem na escuridão encontra uma lâmpada; assim como quando uma pessoa pobre encontra um tesouro; assim como quan­do um povo encontra um rei; assim como quando um comerciante encon­tra o mar; assim como a tocha dissipa a escuridão, o Sutra da Flor de Lótus da Lei Maravilhosa, da mesma forma, pode levar os seres viventes a viver sem qualquer sofrimento, doença e dor; ele pode desatar todos os laços do nascimento e da morte.”