O tempo

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“Não é extraordinário pensar que dos três tempos em que dividimos o tempo – o passado, o presente e o futuro –, o mais difícil, o mais inapreensível, seja o presente? O presente é tão incompreensível como o ponto, pois, se o imaginarmos em extensão, não existe; temos que imaginar que o presente aparente viria a ser um pouco o passado e um pouco o futuro. Ou seja, sentimos a passagem do tempo. Quando me refiro à passagem do tempo, falo de uma coisa que todos nós sentimos. Se falo do presente, pelo contrário, estarei falando de uma entidade abstrata. O presente não é um dado imediato da consciência.

Sentimo-nos deslizar pelo tempo, isto é, podemos pensar que passamos do futuro para o passado, ou do passado para o futuro, mas não há um momento em que possamos dizer ao tempo: “Detém-te! És tão belo…!”, como dizia Goethe. O presente não se detém. Não poderíamos imaginar um presente puro; seria nulo. O presente contém sempre uma partícula de passado e uma partícula de futuro, e parece que isso é necessário ao tempo.”

 

Jorge Luís Borges

 

O que é o tempo? É uma invenção humana? É uma exigência política e social?

Quando surgiu a consciência humana do tempo? Quando o homem começou a contar o tempo? E como o conhecemos, fracionado?

Nos meus dias, hoje, noto que quase não tenho tempo: não compartilho momentos como gostaria de compartilhar com todos da família, não realizo as atividades que precisaria realizar para uma vida mais saudável, não consigo ler todos os meus livros. O que aconteceu com o meu tempo? Imagino o futuro, mas estou no presente. Então, somente existe o agora, porém tenho dificuldade em capturá-lo. Mas o tempo abstrato é usura, já que o tempo pertence a Deus.

A caracterização do tempo como linha temporal, segue uma análise histórica que tem início na consideração do tempo como medida do movimento com Aristóteles (384-322 a.C.). Para esse filósofo, o tempo era a medida do movimento na perspectiva do antes e do depois, tendo como consequência direta o mesmo que se faz hoje na ciência moderna, em que o tempo serve como sistema de referência.

Na física clássica, o tempo é absoluto, ou seja, solto, separado e independentemente da existência das coisas.

Antes de Aristóteles, porém, Platão (428-347 a.C.) defendeu a ideia de “tempo que passa” como a manifestação de uma “presença que não passa”, particularmente quando formula a sua definição: “O tempo é a imagem móvel da eternidade”.

Aristóteles afirmou que o conceito de tempo está estritamente interligado ao movimento:Medimos o tempo pelo movimento, mas também o movimento pelo tempo”. Nesse conceito está incluído um antes, um agora e um depois.

A definição aristotélica de tempo colocando-o como medida do movimento segundo o anterior e posterior parece já deixar clara uma tradição de observação do tempo como linha ou como flecha.

Para Santo Agostinho (354-430), o “tempo é um agora que não é; o ‘agora’ que não se pode deter, pois se isso acontecesse não seria tempo. O tempo é um ‘será’ que ainda não é. O tempo não tem dimensão. Então, é a sucessão do passado, do presente e do futuro. Mas o passado não é; o futuro não é, uma vez que ainda não é. Logo, só resta o presente. Portanto, o tempo é o presente.” Mas não confundamos presente com imobilidade.

Ainda escreveu Agostinho de Hipona: “[…] se pudermos conceber um lapso de tempo que não possa ser subdividido em frações, por menores que sejam, só essa fração poderá ser chamada de presente, mas sua passagem do futuro para o passado seria tão rápida, que não teria nenhuma duração. Se a tivesse, dividir-se-ia em passado e futuro, mas o presente não em duração alguma”.

A realidade do tempo, conclui, é um presente do passado que chama memória, um presente do presente que chama de percepção direta e o presente do futuro que termina por chamar de esperança.

Para Tomás de Aquino (1225-1274), o conceito de duração inclui “permanência ou persistência de uma realidade no tempo. “O tempo é uma duração que tem começo e fim. A eternidade é duração sem começo nem fim”.

Já no Renascimento, René Descartes (1596-1650) considerou que “o tempo é uma maneira de pensar a duração”, enquanto Baruch Espinosa (1632-1677) defendeu que “a ‘eternidade’ é o atributo mediante o qual concebemos a infinita existência de Deus, e a ‘duração’ é o atributo mediante o qual concebemos a existência das coisas criadas, enquanto perseveram na sua existência atual”.

Gottfried Leibniz (1646-1716) sustentou que o tempo é a ordem de existência das coisas que não são simultâneas. Assim, o tempo é a ordem universal das mudanças quando não temos em conta os tipos particulares de mudança. Assim como o espaço é uma “ordem de coexistências”, o tempo é “uma ordem de sucessões”.

Com Isaac Newton (1643-1727), concebia-se o espaço e o tempo independentes e absolutos, respectivamente a três e uma dimensão. A concepção absoluta de tempo, segundo Newton, é independente das coisas (as mudanças encontravam-se no tempo, de maneira análoga há como se supunha que os corpos se encontram no espaço, isto é, indiferente as coisas que contêm e as suas mudanças), e poderá expressar-se da seguinte maneira: “o tempo absoluto verdadeiro é matemático, por si mesmo e pela sua própria natureza, flui uniformemente sem relação com cada exterior, e chamamos-lhe ‘duração’. O tempo relativo, aparente e comum é uma medida sensível e exterior da ‘duração’ por meio do movimento, que é normalmente usada em vez do tempo verdadeiro”. Essa noção de ‘tempo de Newton é objetiva (pois refere-se ao ‘tempo’ do relógio/cronológico), linear ou contínua (não se passa das 12 horas para as 15 horas), manifestada (relativo ao plano físico da consciência).

Em Immanuel Kant (1724-1804) tal noção cristaliza-se, o tempo torna-se forma pura (ou a priori) da sensibilidade e condição de possibilidade de todo fenômeno e não somente do que se move como em Newton. Sendo assim, as partes do tempo são os “pontos” nessa linha. O agora tal qual um ponto, não tem magnitude temporal. É o conjunto de “agoras” que constitui a linha do tempo.

O tempo é contínuo pois ele “agora” é o último da linha do passado e o primeiro da linha do futuro. A linha do tempo é, então, um conjunto contínuo de “agoras”, sendo que cada qual carece de duração.

Kant adota uma posição que aspira a justificar a posição de Newton, mas fundando-a numa ideia de tempo como condição de fenômenos. O tempo é uma forma de intuição a priori.

Henri Bergson (1859-1941) defende que a duração pura é o tempo real, em oposição a espacialização do tempo. Em outras palavras, seria um conceito intelectual e não uma intuição. Esta concepção do tempo refere-se à ordem das percepções, mas não ainda à ordem dos juízos. O tempo psíquico é irredutível à espacialização a que está submetido o tempo, por meio da matemática. O tempo matemático e o físico-matemático são, por sua vez, o resultado da necessidade, em que a vida se encontra, de dominar pragmaticamente a realidade. A duração pura é, contudo, a própria realidade, para além dos esquemas espaciais, o que é intuitivamente vivido e não simplesmente compreendido pelo entendimento.

Minha ideia é de que o tempo é, e é apenas, o presente. Tudo é presente, tudo está aí. O paradoxo é que tudo, para nós, não é bastante. Passamos nosso tempo desejando outra coisa que não é tudo.

Mostrem um movimento que você faria no passado. Um movimento que faria no futuro. Tente erguer o dedo no futuro. Não conseguirá. Só podemos nos mexer no presente. Quer dizer que devamos renunciar ao futuro? Não. Como poderíamos estar aqui se não tivéssemos previsto estar?

Blaise Pascal dizia que jamais vivemos para o presente; vivemos um pouco para o passado, e principalmente muito, muito para o futuro. “Assim nunca vivemos, esperamos viver.”

Às vezes os biólogos representam toda a história da Terra, de quatro bilhões e meio de anos, comprimida na duração de um dia, ou seja, em 24 horas. A vida biológica, embora emergisse cedo nesse dia cósmico, só às 5 horas da manhã começou a rastejar dos oceanos para o ambiente inóspito e incerto da Terra. Demorou um tempo adicional de 16 horas e meia, até cerca de 21 horas e 20 minutos, o equivalente a 500 milhões de anos atrás, para que o imenso e rápido aumento da biodiversidade da Terra, a chamada explosão cambriana, acontecesse. E somente cerca de 20 minutos antes da meia-noite, os mamíferos começaram a aparecer. Apenas nos últimos segundos antes do fim do dia, nós, seres humanos, nos introduzimos na Terra. Nesse lapso de tempo minúsculo, emergimos de uma pequena população de Homo sapiens até os nossos números atuais.

Você pode dizer a hora consultando seu relógio de pulso, passando os olhos pelo seu Android, espreitando o despertador ao lado da sua cama, observando o relógio da parede da cozinha, dando uma espiada no aparelho de TV ou vendo de relance a barra de tarefas no seu computador. Você precisa fazer um esforço consciente para não saber que horas são.

A cada disparo de um neurônio no cérebro, a existência do tempo emerge (torna-se compreensível). Enquanto uma pessoa estiver viva, ela está criando tempo.

Precisamos entender que o nosso tempo não necessita ser apenas produtivo, mas muito mais criativo.

“Para sempre e por toda a eternidade só existe o agora, o único e o mesmo presente; o presente é a única coisa que não tem fim.” – Albert Einstein.