Os deuses primitivos

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O mana, um conceito  interpretado como a “substância da qual a magia é feita” – é a força misteriosa e ativa que possuem alguns indivíduos e as almas dos mortos e os espíritos –, é a manifestação do sagrado mais elementar, passando ao totemismo, ao feiticismo, ao culto da natureza ou dos espíritos, depois aos deuses e aos demônios e, finalmente, à noção monoteísta de Deus.

O polinésio (das ilhas do sul do Oceano Pacífico) e o indo-europeu, o semita (família de vários povos dentre os quais se destacavam os hebreus) e o chinês chegaram às suas noções religiosas, às configurações dos seus deuses, por vias muito diversas. Assim surgiram as religiões entre os humanos. A religião é social e linguística, já que não é possível conceber o homem para além da linguagem, da simbologia e da vida coletiva.

O homem começou manifestando o sagrado cósmico, o Céu, a Terra, as águas, as pedras.  Infelizmente o fenômeno religioso não está acessível, nem nas sociedades cuja história se pode seguir, nem entre os ditos primitivos.

Os fatos sagrados são os ritos, os mitos, as formas divinas, os objetos sagrados e venerados, símbolos, cosmologias, proposições teológicas que não podem ser consideradas como doutrina de igrejas, os homens consagrados, animais, plantas e lugares sagrados.

Até as experiências místicas mais pessoais e mais transcendentes sofreram a influência da cultura e do momento histórico.

O universo mental dos mundos arcaicos não chegou até hoje dialeticamente nas crenças explícitas dos indivíduos, mas conservou-se nos mitos, nos símbolos e costumes.

A força, graças à qual o animal é capaz de apanhar a caça, acabará por se tornar fatal para o seu dono. Ou este morrerá em breve, ou a colheita de arroz falhará, ou uma doença se declarará no rebanho. Nessa crença, seja em que domínio for, a perfeição assusta, e é nesse valor sagrado ou mágico da perfeição que é necessário procurar a explicação do receio que até a mais civilizada das sociedades manifesta perante o santo. A perfeição não pertence a este mundo. É uma coisa diferente deste mundo, embora venha até ele.

Há também o medo dos mortos, dos espíritos, e de tudo que é considerado impuro.

Segundo o antropólogo inglês Robert R. Marrett (1866-1943), a primeira fase da religião só pode ter sido o animismo (pré-animismo).

Os Sioux, índios que viviam nas planícies e nos vales dos rios Ohio e Mississipi e no sudoeste da América do Norte, acreditavam numa força, wakan, que circulava no cosmos e se manifestava nos fenômenos como o Sol, a Lua, o vento, o trovão, assim como nas personalidades fortes, como o feiticeiro. Hoje, descendentes dos Sioux vivem em reservas em Montana, Nebraska, Dakota do Norte, e Dakota do Sul.

A magia não pode ser considerada uma fase pré-religiosa. Entre os primitivos, a crença em um ser supremo, criador e todo-poderoso, que permanece nos Céus, não desempenha nenhum papel no culto, e é substituído por outras forças – o culto aos antepassados, a crença nos espíritos, os cultos naturalistas.

Tudo o que é extraordinário pode ser considerado como uma manifestação do sagrado na perspectiva espiritual dos primitivos.

 

Culto ao Céu

Os deuses celestes estavam presentes entre as sociedades humanas mais primitivas. Havia uma divindade asseguradora da fecundidade da Terra, graças às chuvas que derramava.

O Céu revelava a sua transcendência (como é na realidade, infinito – as regiões superiores que adquirem os prestígios divinos), a sua força e a sua sacralidade. O alto é uma área inacessível ao homem, pertencente aos seres sobre-humanos. O simples fato de ser elevado, de se encontrar no alto, equivale a ser poderoso.

A divindade suprema dos maoris (povo nativo da Nova Zelândia) chamava-se Iho, que tem o sentido de “elevado, no alto”. Os akpossos (grupo étnico que viveu no sul do Togo) conheciam Uwoluwu, “o que está no alto”.

O deus Anu, de origem suméria, e que se tornou o chefe do panteão babilônico, exprime o Céu. Como outros deuses celestes, com o tempo deixou de desempenhar um papel de destaque.

 

Os deuses australianos do Céu

Embora a característica da religiosidade australiana do passado não fosse a crença em um ser supremo criador, mas no totemismo, ou seja, um totem comumente representado por uma pessoa, um animal ou por uma espécie vegetal, também havia as divindades celestes. Baime era a divindade dos grupos aborígenes kamilaroi, wiradjuri e euahlayi do sudeste da Austrália. O trovão era a sua voz e fazia cair a chuva que fertilizava a terra. O deus Daramulum era a divindade da tribo muring, do oeste australiano. Permaneceu certo tempo na terra e depois subiu novamente ao Céu. O ser supremo das tribos kulin chamava-se Bundjil, e habitava o mais alto Céu. Retirou-se do mundo depois de investir seu filho Bimbeal do poder sobre a Terra, e a sua filha Karakarook do poder no Céu.

Esses deuses manifestavam sua vontade pelo trovão, pelo raio (deus Pulyallana) ou pelo vento (deus Baiame), pela aurora boreal (deus Mungangaua), pelo arco-íris (deus Bundjil). Conservavam seus laços concretos com o Céu, fizeram o universo e criaram o homem e intuíram as leis civis e morais.

É possível mencionar dezenas de outras tribos aborígenes nativas da Austrália, mas essas são apenas alguns exemplos.

 

Deuses celestes entre os andamaneses, os africanos

No arquipélago anadamanês (Baía de Bengala, nordeste do Oceano Índico), entre uma das populações mais primitivas da Ásia, Puluga é o ser supremo; é concebido de maneira antropomórfica, mas habita no Céu. O Sol e a Lua são seus filhos. Se Puluga dorme, vem a seca. Se chove, desceu à Terra e procura o seu alimento. Puluga criou o mundo e o primeiro homem. Um certo dia, irado, promoveu o dilúvio que engoliu a Terra; apenas quatro pessoas se salvaram (os dilúvios se sucedem na história dos deuses; sempre quando desapontados, eles os criam para destruir a humanidade – os dilúvios de Gilgamesh e o judaico-cristão, de Noé, são outros exemplos). Paul Schebesta (etnólogo e missionário alemão, 1887-1967) escreveu: “Os andamaneses não conhecem nenhum culto, nenhuma prece, nenhum sacrifício, nenhuma solicitação, nenhuma ação de graças. Só o temor de Puluga os levava a obedecer aos seus mandamentos”.

Por toda a África se encontraram indícios de um grande deus celeste em vias de desaparecer do culto. Alfred Burdon Ellis (escritor e oficial do exército britânico, 1852-1894) escreveu “a tendência foi escolher o firmamento como deus principal da natureza, em vez do Sol, da Lua e da Terra.”

O ser supremo dos povos ewe (povo que habitava as regiões do Togo e da Nigéria), Mawnu, utilizava o firmamento azul como véu para cobrir o rosto e as nuvens eram as suas vestes. Entre os masai nilóticos (povo do sul do Quênia e no norte da Tanzânia), Ngai, que significa literalmente a chuva, era a divindade. Entre os fangs do Congo, Nzame desempenhava papel muito importante na vida religiosa da tribo, mas se retirou do culto e foi afastado para último plano. Os bosquímanos dançavam à noite em honra de Cagn. Os wachaggas (região da Tanzânia) dirigiam os seus sacrifícios a Ruwa. Os akykuyus (do Quênia) a Engai. Para muitos povos africanos do passado, os deuses se tornaram longínquos, distantes e inacessíveis aos homens. Por isso passaram a cultuar os antepassados (como o culto aos espíritos que lhes causavam medo).

 

Os deuses da Polinésia e da Indonésia

Na Polinésia a vida religiosa caracterizava-se por um rico politeísmo. Nas ilhas Yap (Micronésia), o ser supremo era Yelafaz. Os indígenas das ilhas Wetar, na Indonésia, praticavam a feitiçaria, veneravam I-lai; o mesmo acontecia em Timor e em inúmeras outras ilhas. O animismo também estava presente, como em Fiji. Ndengei era a divindade, representada por uma cabeça de serpente, sendo de pedra o resto do corpo.

 

As divindades celestes da Ásia

Os samoiedos (povo do norte da Sibéria) adoravam Num e o consideravam o mar e a Terra, o universo inteiro. O nome da divindade mongol era Tengri. Entre os tcheremissos (Rússia), Jumê. Antigos textos chineses traziam o deus do céu como T’ien (deus do céu) e Chang-Ti (soberano das alturas). Outros povos nômades asiáticos tinham as suas divindades próprias.

 

O deus celeste mesopotâmico

Anu, de origem suméria, tornou-se o chefe do panteão babilônico. Seu aparecimento na história data de 4000 a.C. A residência de Anu foi no Céu; o seu palácio era no ponto mais alto da abóboda. Apenas os soberanos o invocavam e não o homem comum. No código de Hammurabi é invocado como “rei dos Anunnaki” e as estrelas compõem o seu exército. Com o tempo deixou de desempenhar um papel de destaque, e sucedeu-o Marduk, aproximadamente em 2150 a.C.

Tudo quanto está mais próximo do Céu participa, com intensidade variável, da transcendência. A altura, o superior, são assimilados ao sobre-humano. Toda ascensão é uma passagem para o Além, uma ultrapassagem do espaço profano e da condição humana.

O simbolismo do degrau, das escadas e das ascensões, presentes em diversas religiões, foi também conservado por muitas religiões atuais.

O Céu é considerado uma abóboda sideral, é rico em valores mítico-religiosos. O alto, o elevado, o espaço infinito são o aparecimento revelador do transcendente, do sagrado por excelência. Tudo o que está no alto, o que é elevado, continua a revelar a transcendência, seja em que conjunto religioso for. A divindade celeste ocupou o centro da religiosidade arcaica. Os povos primitivos solicitavam aos deuses as necessidades cotidianas ou quando havia alguma situação de perigo; a devoção orientava-se para essas mesmas necessidades. A medida em que não havia necessidade deles, os deuses eram esquecidos. Há um conceito universal desde os primórdios de que os deuses eram criadores, oniscientes, demasiados bondosos, e demonstravam a cólera quando desapontados ou desafiados. Essa tradição permanece nos textos sagrados védicos e das religiões judaico-cristãs.

O deus vencedor foi sempre o representante ou distribuidor da fecundidade, ou o representante ou distribuidor da vida.

Muitos personagens esvaziaram-se do sagrado, tornando-se simples fenômenos vitais, econômicos e sociais.

O animismo, o totemismo, a devoção aos espíritos dos mortos e às divindades locais posteriormente vão situando o homem numa posição religiosa diferente da que ele tinha, inicialmente, perante o ser supremo celeste. O ser supremo dá lugar ao demiurgo, por si próprio criado e que, em seu nome e segundo as suas diretrizes, organiza o mundo, ou a uma divindade solar.

Tudo leva a se acreditar que os deuses foram criados nos povos, nas tribos, nos agrupamentos, em razão do alimento e da segurança, da necessidade das chuvas para que as plantações prosperassem, para a cura de doenças e para a fertilidade.

Atualmente é a autoridade dos textos sagrados, os dogmas, que basicamente sustenta as crenças dos homens.

 

Culto ao Sol

Quanto ao culto solar, Adolf Bastian (etnólogo alemão, 1826-1905) observou que se encontrava em poucas regiões. Foi só no Egito, na Ásia e na Europa arcaica que se verificou o culto ao Sol. No Peru e no México houve uma supremacia dos atos de manifestação do sagrado solar e dos destinos históricos. A religião egípcia foi dominada pelo culto solar. O deus solar absorveu diversas divindades como Atum, Hórus e Khipri, o deus responsável pelo movimento do sol, arrastando-o pelo horizonte. Outras divindades, a partir da quinta dinastia, sob influência de Hierópolis, fundem-se com o Sol: Chnum-Rá, Min-Rá, Amon-Rá e outros.

Para os pigmeus semang (vários grupos étnicos do Sul da Ásia, na Oceania, em Ruanda, Uganda e república do Congo, na África), os fuegianos (habitantes indígenas da Terra do Fogo, no extremo sul da América) e os boschímanes (sul de Angola, na África), o Sol é o “olho” do deus supremo.

 

Culto à Lua

A Lua é um astro que cresce, decresce e desaparece, um astro cuja vida está submetida à lei universal do devir, do nascimento e da morte. Esse eterno retorno às suas formas iniciais, e a periodicidade sem fim faz com que a Lua seja, por excelência, o astro dos ritmos da vida. Desde tempos muito remotos, pelo menos desde a época neolítica, o simbolismo entre a Lua, as águas, a chuva, a fecundidade das mulheres, a dos animais, a vegetação, o destino do homem após a morte e o ritmo lunar unificaram realidades heterogêneas. O homem primitivo percebeu a lei de variação do astro e os seus ritmos reduzem ao mesmo denominador uma série de fenômenos e de significações.

Todo objeto religioso encarna sempre em alguma coisa: o sagrado. Se as águas e a chuva são comandadas pela Lua e se distribuem segundo o ritmo lunar, as catástrofes aquáticas, em contrapartida, manifestam o outro aspecto da Lua, agente de destruição periódico.

No Egito, Osíris, o deus da morte, reinou por vinte e oito anos e após sua morte, o caixão foi descoberto por Seth (deus egípcio protetor/destruidor e do mal), que andava na caça, em noite de luar. Seth cortou o cadáver de Osíris em catorze pedaços, que espalhou por todo o território egípcio. No ritual, o emblema do deus morto tem a forma de uma lua nova, uma similitude entre a morte e a iniciação.

 

Simbolismo de imersão

A imersão simboliza a purificação pela água, onde tudo se dissolve, toda a forma se desintegra, toda a história é abolida; nada do que anteriormente existiu, subsiste. A imersão equivale, no plano humano, à morte, e no plano cósmico, à catástrofe (o dilúvio) que dissolve periodicamente o mundo no oceano primordial. As águas possuem uma virtude de purificação, de regeneração e de renascimento, porque o que é mergulhado nela, morre e, erguendo-se das águas, volta sem pecados.“Então aspergirei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei.” (Ezequiel 36, 27).

Em muitas religiões, a ablução, assim como a imersão, é um rito que purifica. O batismo da imersão na água como instrumento de purificação e de regeneração foi aceito pelo cristianismo, por exemplo. O batismo de São João era a redenção da alma, o perdão dos pecados (“o batismo de arrependimento para a remissão dos pecados”). Tornou-se o principal instrumento de regeneração espiritual, pois que a imersão na água batismal equivale ao enterramento de Cristo. Assim, por que a água que produz a vida na Terra não produzirá também a vida no Céu?

Nenhuma religião pôde abolir o culto das águas, em particular o das fontes consideradas curativas. Na fonte termal de Grysi (comuna de Saint-Symphorien-de-Marmagne, França) foram encontrados objetos votivos da Era Neolítica e dos tempos dos romanos, assim como em outras fontes, como a Saint-Sauver (bosque de Compiègne, França).

Na Grécia, o domínio do oceano foi atribuído a Posídon, o deus dos mares, cujo palácio é no fundo do oceano e o seu símbolo é o tridente (originariamente os dentes dos monstros marinhos). Posídon é também o deus dos tremores de terra, que os gregos explicavam pela erosão das águas.

As tradições dos dilúvios ligam-se à ideia de reabsorção da humanidade na água e à instauração de uma nova época, com uma nova humanidade. Uma época é abolida pela catástrofe e uma nova era começa, dominada por novos seres humanos. A humanidade desaparece no dilúvio ou na inundação por causa dos seus pecados. Nunca perece definitivamente, mas reaparece sob nova forma, retomando o mesmo destino e esperando o retorno da mesma catástrofe que a reabsorverá nas águas.

Qualquer que seja o conjunto religioso de que façam parte as águas, sua função é sempre a mesma: elas desintegram, extinguem as formas, “lavam os pecados”, purificando e regenerando ao mesmo tempo.

 

Mãe Terra

Nas mitologias em que o Céu desempenha ou desempenhou o papel de divindade suprema, a Terra é representada como sua companheira. O Céu fertiliza a Terra pela chuva e a Terra produz os cereais e as plantas.

A intuição primordial da Terra a apresenta como o fundamento de todas as manifestações. Tudo o que está sobre a Terra está em conjunto e constitui uma grande unidade.

Um profeta índio, Smohalla, da tribo umatilla, proibia os seus discípulos de cavarem a terra, porque, dizia, que “é um pecado ferir ou cortar, fender ou esgaravatar a nossa mãe comum com os trabalhos agrícolas”.

O Chefe Arvol Lookinghorse, reconhecido como chefe e líder espiritual dos três ramos da tribo Sioux (nação de Lakota, Dakota e Nakota do Sioux), afirma que “a Mãe-Terra é infinita de vida, mas não de recursos”. Ele alerta que se deve orar pela Terra, respeitar, ter compaixão, ser generoso, humilde e aprender com a Mãe-Terra.

A Terra está impregnada de força, mas é à sua capacidade de dar fruto e à sua maternidade que ela deve essa força. Tudo o que sai da terra é dotado de vida e tudo o que volta à Terra é de novo provido de vida. A morte é um regresso à própria Terra. Ao morrer, o homem regressa em estado de semente ou de espírito à matriz universal; adquire outra vez o estado de semente, volta a se tornar germe. A morte é um retorno à fonte de vida universal. A reintegração efetua-se por uma modificação de forma. A Terra produz formas vivas, ela é uma matriz que procria incansavelmente.

 

Os vegetais e a árvore

Na história das religiões são encontradas árvores sagradas, ritos e símbolos vegetais nas tradições populares do mundo inteiro, nas metafísicas e nas místicas arcaicas. A árvore representa o cosmos vivo, regenerando-se incessantemente. Está carregada de forças sagradas porque é vertical, porque cresce, porque perde as folhas e as recupera, porque se regenera inúmeras vezes.

“Cortar a árvore pela raiz” equivale a retirar o homem do cosmos e isolá-lo dos “objetos dos sentidos” e dos “frutos das suas ações”.

A árvore, na Bíblia, é encontrada no Éden: “a árvore da vida no meio do jardim, com a árvore do conhecimento do bem e do mal”. O livro de Enoque (24, 2) localiza essa vinha-árvore da ciência do bem e do mal entre sete montanhas, como o faz a epopeia de Gilgamesh.

As uvas e o vinho simbolizaram a sabedoria por muito tempo. A vinha arquétipo encontra-se no mundo superior: compõe-se de água no interior e a sua folhagem é formada de “espíritos de luz”.

 

As Pedras preciosas

As pedras revelam qualquer coisa que transcende a precariedade da sua condição humana: um modo de ser absoluto. A sua resistência, a sua inércia, as suas proporções, tal como os seus contornos estranhos, não são humanos. O homem encontra nas pedras uma força que pertence a um mundo diferente do mundo profano de que ele faz parte. A devoção do primitivo se refere sempre a alguma coisa que a pedra incorpora e exprime.

O megálito funerário, por exemplo, protege os vivos das eventuais ações nocivas do morto. A morte, representando um estado de disponibilidade, permite o exercício de certas influências boas ou más. “Fixada” numa pedra, a alma é constrangida a agir. A pedra não é um espírito petrificado, mas uma representação concreta.

Na ilha de Kai (sudoeste da Nova Guiné) a mulher que quer ter filhos besunta de gordura uma pedra.

   “Jacó levantou-se cedo, pegou na pedra que lhe servira de travesseiro, eregiu-a em monumento e derramou-lhe óleo no topo para dedicá-la a Deus.” (Gênesis 28, 18).

Em qualquer tradição, o omphalós é uma pedra que carrega a tradição religiosa, consagrada por uma presença sobre-humana.

Os deuses dos humanos primitivos estavam relacionados com a abóboda celeste (Sol, Lua, estrelas – a astronomia da época), com os fenômenos naturais (chuva, trovão, vento), e com o imprescindível para a sobrevivência (colheitas, fertilidade, saúde, segurança, cidades).

Cada povo tinha o seu ritual, as suas crenças, e os seus mitos fundantes, diferentes. A religião estava fortemente ligada à cultura (e ainda está). Diferentemente da religião cristã, por exemplo, onde o sagrado está dentro do templo e o profano está fora dele, para o homem primitivo o sagrado estava na natureza, nos antepassados. Ele vivia a espiritualidade da vivência (e não a da fé) e a autoridade de um sacerdote estava nas estórias que ele contava, uma demonstração de sabedoria.