Sobre os pensamentos

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De que são feitos os pensamentos? Por que ocorre este pensamento específico? Será que se decidiu um minuto atrás ter esse pensamento específico? Será que se decidiu um minuto atrás ter esse pensamento, e só então ele foi pensado? Ou ele simplesmente surgiu na cabeça, sem permissão ou instrução?

Todo pensamento demanda uma alteração física no cérebro. Microvolts de eletricidade são disparados através de bilhões de neurônios enquanto reações químicas ocorrem nas sinapses. O padrão dessas ocorrências não é automático; ele muda de acordo como o modo como se experimenta o mundo. Uma experiência é, sim, um fenômeno subjetivo que inclui três ingredientes principais: sensações, emoções e pensamentos. Em cada momento, a experiência abrange cada sensação – calor, prazer, tensão, etc., cada emoção – amor, medo, raiva etc. – e quaisquer pensamentos que surjam. Segundo teorias biológicas aceitas atualmente, as memórias, as ideias e os pensamentos não existem em algum campo superior e imaterial. São avalanches de sinais elétricos disparados por bilhões de neurônios. Onde, no meio de toda atividade elétrica e processos químicos, ficam os pensamentos? Como a passagem de eletricidade pela célula leva às sensações?

Quando se dá uma mordida numa maçã, cientificamente pode-se traçar todo o caminho da língua até o córtex cerebral que faz a medição do gosto, mas como esses processos químicos e elétricos se dirigem para o doce e o amargo? Se a realidade é construída com elementos do estoque já existente de lembranças, emoções e associações, como é possível perceber algo novo? Expandir o paradigma, o modelo do que é real e possível, acrescenta novas opções à lista utilizada pelo cérebro; essa lista é só uma descrição operacional da realidade, baseada na experiência pessoal. Não é a realidade propriamente dita. O conhecimento completo envolve tanto a compreensão quanto a experiência. Por exemplo, se alguém quiser que uma pessoa saiba como é comer um pêssego, pode descrever a experiência: “é suculento, doce, macio …”, mas nunca se saberá o que é comer um pêssego enquanto não morder um.

Como as células, através da eletricidade e processos químicos produzem pensamentos? Segundo a ciência atual, os elétrons são simples, sem partes. Presumivelmente, nenhum deles pode pensar. Nenhum pode acreditar, duvidar, querer, recear ou ter dor. Um próton também não será capaz de pensar, pelo menos por meio das relações físicas entre os quarks que os compõem. Ele se aplica a um átomo, composto de prótons e elétrons; uma molécula composta de átomos; uma célula composta de moléculas; e um órgão, o cérebro, por exemplo, composto de células. Não se encontrará, portanto, coisa alguma composta por eles que possa pensar por meio das interações físicas das suas partes. Um único neurônio não é, presumivelmente, uma crença. Mas como pode a crença, o conteúdo surgir da interação física entre entidades materiais como os neurônios? Como pode tal interação física fazer um grupo de neurônios ter conteúdo? É possível examinar esse acontecimento neuronal cuidadosamente quanto se quiser; pode-se medir com precisão o número de neurônios que contém, as suas conexões, os seus ritmos de disparo, a força dos impulsos elétricos envolvidos e a energia potencial entre sinapses, mas, em lugar algum, será encontrada uma sugestão de conteúdo.

Considere-se o elétron. Como já foi dito, não são compostos de outras coisas. Um elétron tem propriedades simples, como spin e carga negativa. Como consegue um elétron ter carga? Não há aqui qualquer como; o elétron não faz outra coisa que resulta no fato de ter tal carga, e não é em virtude da interação das suas partes que tem carga, dado que não tem partes. Ter carga negativa é uma propriedade básica e imediata da coisa. O mesmo acontece em relação ao eu e ao pensamento: este não é feito por meio de uma atividade das suas partes e não se consegue ver como isso poderia acontecer. O cérebro pode ser treinado e o cérebro de todo mundo já foi treinado. Ele só aceita o modelo de realidade ao qual foi adaptado. O modelo de realidade que é usado neste instante está ligado às sinapses e caminhos neurais do cérebro.

Pode-se pensar que há controle sobre as reações diante do mundo, mas isso é um engano. Se duas pessoas conseguem enxergar uma mesma coisa e têm reações opostas, essas reações a controlam, e não o contrário. Não dá para escapar das maneiras como o cérebro foi treinado para perceber o mundo. Os modelos são poderosos. Mas é importante perceber que a realidade transcende todos eles. Todo modelo apresenta a mesma falha fatal: joga fora o que não se encaixa nele.

Platão, em sua Alegoria da caverna, imaginou que a experiência humana era um espetáculo de sombras. A humanidade está em uma caverna e atada a cadeiras, por isso enxerga sempre uma parede, sobre a qual a luz de fora projeta as sombras de forma arquetípicas (todo e qualquer tipo de padrão ou modelo; paradigma – por exemplo, a Madre Teresa de Calcutá é o arquétipo da bondade) ideais. Acredita-se que as sombras são realidade, mas sua fonte está atrás, nos arquétipos. No final das contas, a luz é a única realidade, pois tudo o que se vê é luz. No monismo baseado na primazia da consciência, a consciência é a luz da caverna de Platão, os arquétipos constituem a realidade transcendente e o espetáculo das sombras é a realidade imanente. O cérebro humano apresenta uma imagem da realidade, quando de fato ele não o faz. Ele apresenta uma imagem tridimensional convincente do mundo, que muitos dizem ser uma mera ilusão.

Para a maioria das pessoas, durante a maior parte do tempo, os pensamentos e emoções estão relacionados com o sentido do eu pessoal, baseado no ego. A separação inerente entre as pessoas, engendrada por tal sentido de eu separado, é a base para a palavra egoísmo. Quando não se é capaz de ir além dessas limitações inerentes, todos se sentem sozinhos e excluídos, como de fato estão quando veem o mundo exclusivamente a partir da perspectiva estreita do ego. Quando o ego é excessivamente dominante ou, ao contrário, excessivamente frágil, tal separação aparente é, com frequência, acompanhada pela dificuldade de sentir-se empatia com o mundo mais amplo.

A percepção sensorial é limitada. Não se vê a radiação infravermelha ou se percebe os campos eletromagnéticos como os pássaros, por exemplo, que usam essa informação para se orientar. Contudo, a quantidade de informação que entra por meio dos cinco sentidos é cerca de 400 bilhões de bits por segundo. Obviamente não é possível receber nem processar conscientemente essa quantidade. Pesquisadores afirmam que passam pela consciência humana 2 mil bits por segundo. Portanto, quando o cérebro trabalha para tentar criar uma história do mundo, ele precisa se livrar de muitos dados supérfluos. Por exemplo, enquanto se lê essas palavras, embora os sentidos captem a temperatura do ambiente, a sensação do corpo na cadeira, a textura da roupa sobre a pele, o zumbido do refrigerador e o cheiro do perfume, está-se quase totalmente desligado de tudo. O cérebro precisa filtrar uma tremenda quantidade de informação irrelevante. Ele faz isso inibindo coisas, evitando que algumas respostas e informações acabem por chegar ao nível consciente, ou seja, filtrando o que é conhecido e o que é desconhecido, irreal (marcianos, por exemplo). Assim, não se percebe a realidade de fato; o que se vê é a imagem dela que o cérebro construiu. Fechar os olhos e visualizar um objeto produz os mesmos padrões cerebrais de quando de fato se está olhando o objeto. Não somente o cérebro não faz distinção entre o que vê e o que imagina, mas também parece não saber a diferença entre uma ação executada e a mesma ação visualizada.

O homem cria o mundo que percebe. Quando se abre os olhos e se olha em torno, não se vê o mundo, mas o que equipamento sensorial consegue perceber, o que o sistema de crenças permite ver, o que as emoções desejam ou não ver. Tudo o que se percebe com os sentidos é ilusão. Tudo depende do ponto de vista. Quando são reconectados os aspectos fragmentados dos pensamentos, as pessoas se tornam mais autênticas e abertas. É possível ver, sem julgamento ou raiva, mas com discernimento, através da hipocrisia, da falsidade e da manipulação. A compaixão e clareza com que, graças a tal percepção, o homem é capaz de sentir e pensar, dá apoio para que ele se torne ciente dos padrões de comportamento cujos temas circulam ao longo das experiências da vida, limitando-o e impedindo-o de realizar seu potencial.

Tenta-se mudar o sistema, mas permanece imutável. Os sujeitos permanecem numa hierarquia superior a um mundo-objeto, numa hierarquia simples. Não se percebe que se é parte do sistema, que o sistema já corrompeu todo modo de pensar. Porém, é possível ser determinado e mudar se cada um for o arquiteto de sua própria experiência. Há a possibilidade de se ter experiências transpessoais, mas por causa dos padrões mentais fixos predominantes, é necessário entrar num estado de consciência alterado para que elas possam alcançar a percepção. Em momentos emocionais intensos – meditação, prece profunda – lampejos de percepção aguçada e impactante, e informações, de fato, fluem para a consciência desperta, mesmo que não sejam mediados pelos sentidos corporais. A meditação, por exemplo, leva à redução da velocidade dos pensamentos. Reduzir a velocidade aumenta a lacuna entre pensamentos e, nessa lacuna, há espaço para mudanças por meio do processamento inconsciente.